Criada com o objetivo de aproximar pesquisadores e sociedade, revista contribui para a institucionalização da comunicação científica no país
“Espera ainda a revista, como órgão que é da SBPC, servir de aproximação dos cientistas entre si, e destes com o público, entre todos desenvolvendo forte e indispensável sentimento de solidariedade e compreensão.” Essas foram as palavras do editorial da primeira edição da revista Ciência & Cultura, lançada em janeiro de 1949, no ano seguinte à fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Idealizada por José Reis (1907-2002), que a dirigiu de 1949 a 1954 e de 1972 a 1985, a Ciência & Cultura não é apenas uma revista, mas um verdadeiro órgão da SBPC. Desde o início, a publicação se estabeleceu como um espaço aberto não apenas a cientistas, mas a todos os interessados pela ciência, suas aplicações e suas consequências, conforme destacado na contracapa da primeira edição. A publicação é um marco na divulgação científica nacional. Não apenas por ser a revista científica mais antiga em circulação no país, mas também por ter sido idealizada por José Reis, um dos nomes mais conhecidos da divulgação científica brasileira. Sua contribuição foi significativa para a construção da ciência no Brasil, estabelecendo um legado que perdura até hoje. A trajetória de Ciência & Cultura reflete o compromisso contínuo com a disseminação do conhecimento científico, aproximando cientistas e o público, e fomentando um sentimento de solidariedade e compreensão indispensável para o progresso da ciência e da sociedade.
José Reis e a divulgação científica
A trajetória de José Reis é marcada por uma intensa dedicação tanto à pesquisa científica quanto à divulgação do conhecimento, conferindo-lhe uma bagagem única para falar sobre a interseção entre ciência e sociedade. Em 1947, uma década antes de se aposentar pelo Instituto Biológico em São Paulo, onde atuava como pesquisador, José Reis começou a escrever textos de divulgação científica para o Grupo Folha — que englobava os jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite, posteriormente unificados na Folha de S.Paulo em janeiro de 1960. Ele manteve essa colaboração até sua morte, em 2002, totalizando quase seis décadas de contribuições contínuas. (Figura 1)
Figura 1. José Reis (à direita) contribuiu significativamente para a consolidação da ciência e da divulgação científica brasileiras
(Foto: Acervo COC)
Reis foi um dos fundadores da SBPC em 1948, tornando-se seu primeiro secretário-geral. Em 1949, ele ajudou a criar a revista Ciência & Cultura, da qual foi editor, transformando-a em um veículo essencial para a divulgação científica no Brasil. Além disso, colaborou com a revista Anhembi, que circulou entre 1950 e 1962, escrevendo principalmente sobre política científica. Seu destacado trabalho na área de comunicação da ciência foi reconhecido internacionalmente em 1975, quando recebeu o Prêmio Kalinga da UNESCO, considerado o mais importante prêmio em divulgação científica.
Em reconhecimento à sua contribuição, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou em 1978 o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, destinado a pessoas e instituições que se destacam na promoção da ciência no Brasil. Além de seu papel na SBPC e na revista Ciência & Cultura, Reis teve uma participação fundamental na criação do CNPq em 1951 e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em 1960.
Desde sua fundação, a SBPC visou difundir a ciência e conscientizar os cientistas sobre seu papel social. Nas palavras de José Reis, “decidimos incluir entre as funções da SBPC a necessidade de se criar ou difundir tal consciência social entre os cientistas brasileiros. O que não entendo é um cientista desvinculado da sociedade e da política.” Em suas reuniões anuais, José Reis propôs o concurso Cientistas de Amanhã, incentivando jovens estudantes a se interessarem pela ciência.
José Reis foi também um dos articuladores da criação da Associação Brasileira de Jornalismo Científico em 1977, que teve um papel crucial no reconhecimento e na profissionalização do ofício no país. Ele defendia que a ciência deveria ser compreendida e valorizada pela sociedade, promovendo uma política nacional de ciência e tecnologia que respeitasse e apoiasse a pesquisa científica desde o ensino básico até as instituições científicas. Para José Reis, a divulgação científica era um dever e um desejo de transmitir, de forma simples e objetiva, os princípios e metodologias da ciência, criando uma cultura científica que envolvesse e interessasse o grande público. Ele acreditava que “o cidadão precisaria entender para poder julgar, para poder apoiar sinceramente a própria ciência e o seu desenvolvimento, para poder distinguir entre a verdadeira ciência e a falsa ciência ou as mistificações da ciência.”
Em um depoimento escrito para a revista Ciência & Cultura em 1982, Reis afirmou: “Alguns se contentam em divulgar sua própria especialidade, ou ciências muito afins. Talvez pelas circunstâncias da época em que comecei, quando era quase nula a divulgação sistemática em quase todos os terrenos, ou quem sabe pela curiosidade que sempre senti por muitos assuntos, preferi aventurar-me à divulgação de muitos temas, desde a biologia até astronomia e as ciências sociais.” Ele acrescentou: “Suponho até que a alegria do divulgador é maior que a do mestre, que ensina em classes formais. O divulgador exerce um magistério sem classes.”
Ciência & Cultura
Desde sua primeira edição, a revista se propôs a ser “aberta não apenas a cientistas, mas a todos os que se interessem pela ciência, por suas aplicações e pelas consequências destas”. Mais do que uma simples publicação, Ciência & Cultura tornou-se um marco na institucionalização da ciência no país, funcionando como um órgão da SBPC. Com edições temáticas, a revista combina textos científicos, artigos de opinião e material de divulgação, atendendo tanto ao público especializado quanto ao público geral, e oferecendo múltiplas perspectivas sobre uma variedade de assuntos. (Figura 2)
Figura 2. Capa da primeira edição da revista, de 1949
(Reprodução)
Publicada trimestralmente, cada edição da revista aborda um tema específico sob os prismas da ciência, cultura, arte e filosofia. Mensalmente, novos capítulos são lançados, trazendo artigos, ensaios, reportagens jornalísticas, textos de opinião, vídeos, podcasts e mais. Ao longo dos anos, a revista passou por várias reformulações — mas continua a ser uma referência na divulgação científica, evoluindo com as tecnologias e permanecendo fiel à sua missão de conectar a ciência com a sociedade.
Ao longo de seus 75 anos e 464 edições, a revista mantém viva sua memória através de vários projetos. Uma parceria entre a SBPC e a Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional (BN), possibilitou a digitalização de toda a coleção até 2017. Todos os números podem ser consultados no site da Hemeroteca Digital Brasileira. As edições também estão disponíveis no Scielo (a partir de 2002) e no Acervo Digital da SBPC (a partir de 2007). Além de poder ler todas as edições da revista online, também é possível ouvir e assistir seus conteúdos através dos canais no YouTube e no Spotify (e em diversos outros tocadores).