Vania Neu - 1

“O que se faz necessário para maior equidade de gênero é o respeito”

Confira entrevista com a oceanógrafa Vânia Neu, professora do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura e Recursos Aquáticos Tropicais da UFRA

 

Em um cenário de mudanças climáticas aceleradas e desafios ambientais crescentes, a oceanógrafa Vânia Neu emerge como uma voz essencial na luta pela preservação dos recursos hídricos e pela melhoria da qualidade de vida das populações ribeirinhas da Amazônia. Com uma trajetória marcada por dedicação à pesquisa e ao ensino, Vânia Neu é especialista em ecologia de manguezais e mudanças climáticas, atuando como docente em programas de pós-graduação na UFRA, UFPA e IFPA. Além disso, integra o Comitê Científico do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), destacando-se como uma das principais pesquisadoras na compreensão dos impactos das alterações climáticas na região. Em sua pesquisa, Vânia Neu alerta para os efeitos devastadores do desmatamento e das queimadas, que intensificam eventos extremos como secas e enchentes, ameaçando tanto a floresta quanto as comunidades que dependem dela. “Ao longo dos últimos anos os impactos das alterações climáticas têm sido cada vez mais intensos”, afirma a pesquisadora. Mas, além de apontar os problemas, ela também propõe soluções: tecnologias sociais que garantem água potável para populações vulneráveis, mostrando que é possível conciliar ciência, sustentabilidade e justiça social. “Hoje uma tecnologia social é capaz de garantir água potável para qualquer pessoa na Amazônia, o que falta é apenas política pública para sua reaplicação”, pontua. Nesta entrevista, Vânia Neu compartilha suas reflexões sobre a Amazônia, os desafios de ser uma mulher na ciência e a urgência de políticas públicas que transformem conhecimento em ação. Confira!

 

Ciência & Cultura — O que despertou seu interesse pela limnologia, especificamente, pela limnologia na Amazônia e mudanças climáticas? Como foi sua jornada até se tornar uma referência nessa área no Brasil?

Vânia Neu — Meu interesse começou pela Amazônia, nascida na região Sul do Brasil, sempre gostei da natureza. Ao terminar a graduação em Biologia, fui para a Amazônia, onde conheci grandes pesquisadores nacionais e internacionais, que me inspiraram nos estudos da ecologia aquática. Minha referência e meu caminho trilhado foi influenciado por Alex Krusche, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) da USP, que coordenou grandes projetos na Amazônia. Com ele aprendi muito, e a sua influência pesou sobre a minha escolha. Ao entrar no mundo da ecologia aquática, a cada dia eu queria entender um pouco mais sobre o gigante sistema de Rios Amazônicos. Com as alterações climáticas em curso, essa foi mais uma questão a entrar nos estudos, para avaliar o quanto as mudanças estavam impactando os sistemas aquáticos. Minha jornada para me tornar uma cientista não foi fácil. Nascida e criada na roça, desde muito jovem, eu tive que dividir o tempo dos estudos com os trabalhos da roça e afazeres domésticos. No meu ensino médio, tive o privilégio de estudar num Instituto Federal, o que despertou minha vontade de seguir os estudos. Fiz vestibular e parecia que a sorte estava do meu lado, quando foi aprovada em uma Universidade Pública Federal. A partir daí, comecei a vislumbrar o mundo da ciência, eu queria aprender tudo. Terminando a graduação, sem perspectiva de seguir na área ambiental no meu estado, consegui uma passagem apenas de ida para Manaus. Foram tempos difíceis, sem grana, contando com a gentileza de muitos, com hospedagem e muitas vezes até de comida. Porém, eu tinha um objetivo claro, queria seguir meus estudos. Quando chegou a notícia da aprovação na seleção de mestrado da USP, foi uma alegria que não cabia dentro de mim. Aquela menina pobre, que durante sua infância e adolescência andava por quilômetros, na chuva, no sol, no frio, algumas vezes descalça, que chegava suja na escola, que sofria bullying, finalmente chegou na USP. A partir daí, a minha vontade de seguir até o doutorado e ser pesquisadora aumentava a cada dia.

 

“As mulheres já conquistaram muitos espaços, mas a luta por respeito e direitos iguais, ainda é longa.”

 

 

C&C — Quais são os principais impactos das mudanças climáticas sobre os rios amazônicos e como sua pesquisa tem contribuído para a conservação desses ecossistemas tão importantes?

VN — Ao longo dos últimos anos, os impactos das alterações climáticas têm sido cada vez mais intensos, desde a seca completa de inúmeros rios, mortalidade em massa de espécies aquáticas, floramento de algas, aumento da temperatura das águas, aumento da intrusão salina, dentre outros. Regiões como a foz do Amazonas e o estuário do rio Pará têm apresentado águas cada vez mais salobras, por períodos mais longos. A salinidade começou a avançar até regiões onde antes só tinha água doce, um exemplo é o arquipélago de Bailique, no Amapá. A salinização das águas e/ou a falta de água potável me levou ao longo dos últimos anos a dedicar parte do meu tempo para uma nova área de pesquisa, a segurança hídrica para famílias na Amazônia. Há cerca de 12 anos, quando iniciei o desenvolvimento de uma tecnologia social, junto a uma comunidade ribeirinha, os extremos climáticos ainda não eram muito visíveis na Amazônia, porém meu foco era garantir água potável para quem não tinha acesso. Hoje, a tecnologia desenvolvida é uma adaptação às alterações climáticas em curso.

 

C&C — Você está envolvida em programas de pós-graduação e projetos científicos na Amazônia. Quais são os maiores desafios e oportunidades para desenvolver pesquisas ambientais na região?

VN — Atualmente, eu estou envolvida em dois programas de mestrado e um programa de especialização. Coordeno um projeto de grandes expedições em rios amazônicos, o primeiro com uma equipe totalmente brasileira, coordenado por uma mulher na Amazônia e com recurso do governo do Estado. Além deste, também estou coordenando outros projetos de reaplicação de tecnologias sociais de acesso à água potável, agora com um novo foco, em território indígena. Os desafios são imensos, começando pela logística complexa, pois os rios são barreiras físicas e as grandes distâncias dificultam e encarecem o deslocamento de campo, a chegada de insumos e equipamentos de alta resolução. Também temos uma grande carência de recurso humano, sobrecarregando a função do pesquisador.

 

“Ao longo dos anos eu fui direcionando os achados dos meus estudos para melhorar a qualidade de vida, especialmente dos ribeirinhos.”

 

 

C&C — Como mulher cientista, quais barreiras você enfrentou durante sua carreira, especialmente em áreas historicamente dominadas por homens, como a ecologia aquática? O que você acredita que ainda precisa mudar para promover maior equidade de gênero na ciência?

VN — As mulheres já conquistaram muitos espaços, mas a luta por respeito e direitos iguais ainda é longa. De forma geral, o mundo da ciência ainda é muito machista, onde os homens brancos, brancos de preferência do eixo Sul-Sudeste, são as mentes pensantes. No meu ponto de vista, o que se faz necessário para maior equidade de gênero é o respeito.

 

C&C — Como o conhecimento produzido sobre ecossistemas aquáticos pode ser utilizado para beneficiar diretamente as comunidades locais e promover políticas públicas mais eficazes?

VN — Ao longo dos anos, fui direcionando os achados dos meus estudos para melhorar a qualidade de vida, especialmente dos ribeirinhos. No momento em que percebi que apenas números não bastavam, entrei numa imersão até chegar a uma solução para a falta de água potável em locais isolados na Amazônia. Solução nada fácil, para uma Bióloga, as dificuldades começavam pelas grandes diferenças no nível dos rios, em determinado período do ano, o rio estava longe de casa, em outro momento o rio estava abaixo da casa, sem energia elétrica, com poucos recursos, recém contratada em uma Universidade Pública. Mas a perseverança foi contínua, para chegar ao meu objetivo. Após os primeiros sistemas instalados em campo, a busca pela melhor qualidade da água foi constante. Na pandemia, com um pouco mais de tempo para pensar, iniciei vários testes em casa, até chegar a um sistema que fornecesse água potável. Após a pandemia, as descobertas foram novamente levadas a campo, e hoje uma tecnologia social consegue garantir água potável para qualquer pessoa na Amazônia, o que falta é apenas política pública para sua reaplicação.

 

“O mundo da ciência é incrível e as mulheres com sua capacidade de multitarefas simultâneas, tem um potencial único.”

 

C&C — Que conselhos você daria para jovens mulheres interessadas em seguir carreiras na área de ecologia, limnologia, meio ambiente ou qualquer outra área? Como você gostaria que seu trabalho fosse lembrado no futuro?

VN — O conselho que dou às jovens meninas e adolescentes é que sigam seu coração, por mais que as dificuldades vão aparecer, elas nunca serão maiores que os sonhos. O mundo da ciência é incrível e as mulheres, com sua capacidade de multitarefas simultâneas, têm um potencial único. No futuro, eu gostaria que meu trabalho fosse lembrado como: uma cientista que se apaixonou pela Amazônia e que, por meio da ciência, conseguiu produzir conhecimento, para que populações pudessem ter água potável.

Blog Ciencia e Cultura

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