C&C 1E24 - opinião - Cesar Lattes na Universidade Federal de Mato Grosso - capa site

Cesar Lattes: o jovem físico que revolucionou a ciência no Brasil

Com apenas 23 anos, suas descobertas sobre o píon projetaram o Brasil no cenário mundial da física e impulsionaram a criação de instituições que transformaram a pesquisa científica no país.

 

Em 1947, o mundo da ciência voltava os olhos para um nome que soava improvável para muitos: Cesar Lattes, um jovem físico brasileiro de apenas 23 anos. Filho de imigrantes italianos, nascido em Curitiba em 11 de julho de 1924, Lattes se formou em Física pela Universidade de São Paulo (USP) aos 19 anos, onde foi orientado por dois gigantes da física: Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini. Mal sabia ele que, em poucos anos, estaria no centro de uma das descobertas mais importantes da física moderna.

Entre 1946 e 1948, Lattes participou de duas experiências cruciais que comprovaram a existência de uma partícula subatômica prevista teoricamente anos antes pelo físico japonês Hideki Yukawa: o méson pi, ou píon. Essas descobertas alteraram os rumos da física de partículas e colocaram o Brasil no mapa da ciência mundial. A primeira comprovação veio com a análise de emulsões nucleares expostas aos raios cósmicos em grandes altitudes. Lattes realizou suas medições na Bolívia, no alto do monte Chacaltaya, enquanto Occhialini fazia o mesmo na França. Ambos integravam o grupo de pesquisa da Universidade de Bristol, no Reino Unido, liderado por Cecil Powell. O artigo publicado na revista Nature, em 1947, com a assinatura de Lattes, Powell, Occhialini e Hugh Muirhead, repercutiu mundialmente. Três anos depois, a descoberta garantiria o Prêmio Nobel de Física a Powell – reconhecimento que, muitos defendem, deveria ter sido compartilhado com Lattes.


Figura 1. Cesar Lattes e Eugene Gardner com o sincrocíclotron na Universidade de Berkeley.
(Fonte: CBPF/ Arquivo. Reprodução)

 

Progresso científico brasileiro

No ano seguinte, Lattes novamente surpreenderia o mundo ao conseguir produzir artificialmente o píon, em parceria com o físico Eugene Gardner, utilizando o cíclotron do laboratório de Ernest Lawrence, nos Estados Unidos. A comprovação experimental do píon não apenas validava a teoria de Yukawa como consolidava o Brasil como um país capaz de gerar ciência de ponta.

Apesar das oportunidades no exterior, Lattes optou por voltar ao Brasil. Estava convicto de que a ciência só avançaria se houvesse compromisso e apoio dos governos nacionais. Em sua volta, se uniu a outros nomes fundamentais para a história da ciência brasileira – como José Leite Lopes, Jayme Tiomno, Elisa Frota-Pessôa, Mário Schenberg e Marcelo Damy – para lutar pela institucionalização da pesquisa científica no país. Em 1949, essa articulação deu frutos com a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), marco da consolidação da física moderna no Brasil. O movimento, no entanto, não parou por aí. Poucos anos depois, surgiram o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), seguidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e outras fundações estaduais, além do próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.


Figura 1. César Lattes, Mário Schenberg e José Leite Lopes, físicos brasileiros.(Fonte: http://zenith.mast.br. Reprodução)

 

Cooperação internacional

Lattes também foi peça-chave para promover a cooperação internacional em física, inclusive com o Japão, e para a criação de laboratórios em território nacional, como na USP, na Unicamp e na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). Como defensor incansável da física experimental, ajudou a formar novas gerações de cientistas brasileiros. Seu impacto foi tão profundo que, segundo o físico José Leite Lopes, “o trabalho dele mostrou que era possível um jovem brasileiro fazer uma descoberta importante na física universal”. O feito inspirou países latino-americanos como Peru, Bolívia e Argentina a investir mais em ciência. Lattes era, então, um símbolo: o herói nuclear brasileiro em plena Guerra Fria, num momento em que a física ganhava protagonismo político e cultural no mundo.

 

“A fama de Lattes galvanizou a comunidade científica, que passou a se organizar para defender políticas públicas de apoio à pesquisa.”

 

Esse prestígio teve reflexos diretos na criação, em 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A fama de Lattes galvanizou a comunidade científica, que passou a se organizar para defender políticas públicas de apoio à pesquisa. Foi também nesse contexto que o almirante Álvaro Alberto propôs a criação de um conselho nacional de pesquisa, o embrião do CNPq.

No mesmo ano, Lattes lotava auditórios com suas palestras sobre física nuclear. Em uma delas, na Faculdade de Direito da USP, falou sobre a produção artificial de mésons, apresentado por ninguém menos que Gleb Wataghin. A ciência começava a ocupar espaços de destaque na vida pública brasileira – e Lattes era o principal rosto dessa transformação.

 

“Sua história mostra que é possível fazer ciência de excelência mesmo em condições adversas.”

 

Apesar de sua notoriedade nas décadas seguintes, o nome de Cesar Lattes tem se tornado cada vez menos conhecido pelas novas gerações. Em 2018, uma tentativa de resgate simbólico veio com a emissão de um selo conjunto em sua homenagem e à da cientista Johanna Döbereiner, outra gigante da ciência brasileira. Mas esse reconhecimento ainda é insuficiente frente à importância de sua trajetória.

Como disse Leite Lopes, Lattes foi um divisor de águas. Sua história mostra que é possível fazer ciência de excelência mesmo em condições adversas – e que isso pode mudar não apenas uma carreira, mas o rumo de um país. Lattes costumava dizer que foi “arrastado pela história”.

 

Capa. UFMG. Reprodução
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