Para especialistas, a combinação entre a tecnologia e o lúdico ajuda no processo, mas é necessária uma reestruturação no ensino fundamental e médio
Superposição, princípio da incerteza, dualidade onda-partícula ou colapso da função onda. Para quem é formado em física, química ou matemática, os conceitos da física quântica podem ser comuns, coisas do dia-a-dia, mas para as pessoas de fora da área, a compreensão de técnicas e teorias é mais difícil. Com o universo quântico ganhando destaque e aparecendo como um possível ator revolucionário no campo tecnológico, os desafios de apresentá-lo na educação básica são ainda maiores. Afinal, é possível ensinar física quântica a crianças e adolescentes de forma atrativa e com rigor científico?
“Não é fácil ensinar crianças e jovens porque a física quântica é uma área difícil de se aprender de cara, né? Mesmo quem estuda isso, quem faz química ou física, por exemplo, tem muita dificuldade para entender”, pondera Paula Homem-de-Mello, professora do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (UFABC). “É difícil porque você não experimenta ela diretamente no nosso mundo, você vê alguns fenômenos que são devidos à mecânica quântica, mas não dá para fazer relação com o mundo macroscópico. Ou seja, ensinar física quântica requer um pouco de maturidade do aluno, e requer também um pouco de conhecimento específico.”
Paula Homem-de-Mello integra algumas ações de difusão da mecânica quântica aos públicos mais jovens. No projeto “Menina Ciência, Ciência Menina”, realizado pela UFABC, saem os conceitos e entram as cientistas envolvidas neles, mostrando que por trás de cada conhecimento sempre há alguém importante. A especialista também usa a criatividade em publicações para chamar a atenção das crianças e adolescentes: como a série “Contém Química!”, que imita embalagens de medicamentos em suas capas, ou o livro ”O que (não) é quântica”, que busca explicar esse universo por meio das mentiras espalhadas por aí, “Como é difícil definir para os alunos o que é quântica, não só os fenômenos, mas também o formalismo matemático que tem por trás, a gente achou melhor falar o que não é quântica. Porque a quântica tem sido uma palavra usada muitas vezes como pseudociência. Essa, inclusive, é uma das nossas preocupações enquanto pesquisadores da área. Então, o objetivo é mostrar que às vezes as pessoas usam certos argumentos só para que algo pareça mais científico, quando, na realidade, aquilo não tem nada de Ciência.”
As formas de ensino e aprendizagem da mecânica quântica são temas da pesquisa de Nathan Lima, professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em um experimento, ele e demais cientistas da universidade ofereceram um curso virtual de mecânica quântica a um público diversificado, pessoas do ensino médio ao doutorado. Esse curso, de dois dias de duração, foi moldado conforme teorias da educação, para que seu conteúdo fosse mais palatável. E, para avaliar seu resultado, cada aluno participou de testes de conhecimento antes e após as aulas. “A gente viu que, em todos os níveis, do aluno de ensino médio, graduação e mestrado, as pessoas melhoraram de 60% a 70% o seu conhecimento em mecânica quântica. Este estudo foi publicado na Revista Brasileira de Ensino de Física, e nele a gente defende a importância de cursos estruturados didaticamente em quântica, que tragam imagens e abordem conceitos. É importante que esses cursos partam de coisas concretas, que explorem experimentos, mas para isso são necessários recursos.” (Figura 1)

Figura 1. Experimento de Difração de elétrons do Instituto de Física da UFRGS
(Fonte: UFRGS. Divulgação)
Para Nathan Lima, já existe uma dificuldade da sociedade em geral no aprendizado de física, algo que o ensino de física quântica se esbarra também. Reverter esse quadro exige algumas mudanças estruturais, como repensar a linguagem com que o conhecimento é passado aos alunos, além do uso de recursos visuais. “Se pensarmos nas escolas, o ideal é que o professor possa ter alguns experimentos básicos que pudesse fazer em sala de aula, algumas coisas que consegue realizar com baixo custo. Mas hoje já existem também muitos simuladores que a gente consegue utilizar e visualizar o que seriam os resultados de um experimento. Então, dispor de recursos que tragam para algo visual e concreto a física quântica, eu entendo que é o primeiro passo.”
A professora da UFABC, Paula Homem-de-Mello, concorda que o ensino de física quântica exige criatividade. “Acredito até que a gente experimenta pouco com crianças e jovens, né? E se a gente vai falar de experimentos científicos com esse público, é duro não fazer o experimento, só contar sobre. E são experimentos que, em princípio, são acessíveis de serem feitos. Por exemplo, utilizar aquelas antigas TVs de tubo e mostrar seu funcionamento. Além disso, existem lugares onde encontramos alguns desses experimentos, como os museus de ciência”, complementa.
“É importante que esses cursos partam de coisas concretas, que explorem experimentos, mas para isso é necessário recursos.”
Diretor da Ilum, a Escola de Ciência do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Adalberto Fazzio concorda que há defasagens no ensino básico que comprometem o interesse do público mais jovem em quântica. Para ele, uma das principais questões é que disciplinas como física, química e matemática são apresentadas como certezas absolutas, fórmulas intocáveis que cabem ao aluno apenas decorá-las. “Os professores não deixam claro para os alunos que a ciência em geral não é uma coisa que não pode ser olhada de uma forma dogmática. Na realidade, ela está sempre mudando. É necessária uma reestruturação das disciplinas, trazer os conceitos para a realidade das pessoas. Acredito que a educação básica deve focar nos conceitos qualitativos, nos experimentos e nas aplicações práticas.”
A Física Quântica ainda permanece à margem do currículo do ensino médio, no entanto, iniciativas pioneiras têm buscado transformar esse cenário. Projetos como o Quantum Educa (UFABC), oficinas de Física Moderna promovidas por instituições como o Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e materiais didáticos adaptados — como o livro “Física Moderna no Ensino Médio” — são exemplos de esforços para tornar acessíveis aos jovens conceitos como dualidade onda-partícula e quantização de energia. Nas últimas décadas, o interesse pelo ensino de física moderna e contemporânea no ensino médio tem crescido, impulsionado pelas diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que defendem uma maior conexão entre o conteúdo escolar e os avanços da ciência atual. Universidades públicas como Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), USP e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vêm liderando projetos de extensão, formação de professores e desenvolvimento de materiais didáticos que utilizam analogias, histórias da ciência e simulações interativas para facilitar a aprendizagem. Estudos acadêmicos apontam desafios persistentes, como a carência de formação docente e de infraestrutura nas escolas. Ainda assim, destacam avanços significativos, como a inclusão do tema nos currículos e o uso crescente de simuladores virtuais. Essas ações não apenas introduzem os estudantes a conceitos fundamentais da física contemporânea, como também os aproximam das inovações tecnológicas e despertam vocações científicas.
Adalberto Fazzio defende que essa mudança estrutural do ensino não deve vir apenas da formação do profissional de educação, mas sim da estrutura política que define os alicerces do ensino fundamental e médio. “Acredito que os professores estão bem interessados numa reformulação do ensino, inclusive aptos a absorver mudanças. Mas é uma questão que envolve muitos atores. Envolve o Ministério da Educação (MEC), e envolve também a comunidade científica, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que pode encaminhar uma proposta diretamente ao MEC.”
Educação e desinformação
Se o ensino de física quântica para crianças e adolescentes já tem questões por si só, a situação piora ao considerarmos o ambiente virtual onde nossa sociedade se encontra hoje. Tudo porque a palavra quântica é utilizada em uma série de contextos, muitos deles distantes da Ciência. (Figura 2)

Figura 2. É necessário realizar uma reformulação das disciplinas, trazendo os conceitos para a realidade das pessoas.
(Foto: Marcos Santos / USP Imagens. Reprodução)
Por meio de estratégias de marketing, o conceito quântico vira adjetivo e aparece em itens como colchões, cristais, medicina alternativa, fórmulas alimentares, entre outros produtos. Mas esse movimento de utilizar a credibilidade dos estudos quânticos para a venda de produtos e serviços não é relativamente novo, como explica Paula Homem-de-Mello: “Tem um físico chamado Fritjof Capra que lançou em 1975 um livro chamado ‘O Tao da Física’. Neste livro, ele tenta fazer algumas correlações entre física quântica e um certo misticismo. É uma obra que surge na época do movimento contracultura, da expansão hippie. Como Capra é físico, ele trouxe um argumento de autoridade às pessoas, que acreditaram na obra: ‘Olha só, a física quântica explica a interação entre indivíduos. Se a gente se gostou, é porque nossos níveis vibracionais se alinharam’. Só que, na realidade, não existe Ciência por trás disso.”
“A computação quântica e tecnologias da informação quântica têm o potencial de revolucionar tudo o que a gente entende por tecnologia nos próximos anos.”
Anos depois, em 1989, um médico chamado Deepak Chopra se baseou nos trabalhos de Capra e escreveu um segundo livro chamado “A cura quântica”. “Desde então, um monte de novas pseudociências surgiram pautadas nos trabalhos desses autores, gerando uma série de propostas de novos tratamentos. Essas pseudociências se utilizam do nome quântico porque a palavra quântica parece algo sério, científico, quando, na realidade, são muitas teorias que carecem de avaliação e de validação da Ciência. Os fenômenos quânticos reais estão relacionados ao mundo dos átomos e das moléculas, e muitas dessas curas não envolvem nem isso”, pontua Paula Homem-de-Mello.
De 1975 para os dias de hoje, uma revolução tem ajudado a espalhar conteúdos falsos sobre o universo quântico: a internet. Isso faz com que aquele educador do passado, que tinha como compromisso repassar o conhecimento adiante, agora enfrenta uma nova realidade de reverter mentiras, como aponta o pesquisador Nathan Lima: “As pessoas, em algum momento da vida delas, vão ser expostas a conceitos que vêm de quântica. E parte da formação científica é dar os subsídios para que essas pessoas possam se posicionar e saber quais discursos são corretos e quais discursos são equivocados.”
É nesse contexto que o pesquisador teve que mudar a sua estratégia. Além do papel como educador, o professor da UFRGS começou a atuar como divulgador científico nas redes sociais. No começo, foi uma ideia despretensiosa, mas que agora movimenta uma base de mais de 42 mil pessoas só no Instagram. “Quando comecei, não queria tanto entrar nos embates sobre essa questão da desinformação, acho desgastante até do ponto de vista pessoal. Mas acaba sendo inevitável em certo ponto, né? Tento acreditar que quando a gente mostra a informação correta, quando a gente discute com as pessoas como identificar o certo e o errado, a gente já está produzindo um efeito positivo. Mas a própria situação contemporânea, como os algoritmos funcionam, acaba nos empurrando, às vezes, para embates mais frontais.”
Nas redes sociais, o professor abusa de vídeos e do bom humor. Lima também chama alunos para participar e utiliza memes e fatos atuais para trazer conhecimentos. Apesar da Ciência ser a principal essência de seus conteúdos, o professor defende que a divulgação científica não substitui o papel das escolas. “Não dá para fazer tudo na divulgação científica, porque tem coisas que se aprende no espaço escolar, com tempo, com professor, com atividade pedagógica planejada. Mas nas redes sociais a gente consegue difundir ideias e tentar, às vezes, por meio do debate, do entrave, chamar atenção para determinados temas”, reflete Nathan Lima.
Mesclar o ensino formal com a divulgação científica também é a realidade de Guilherme Sipahi, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). Ao tentar passar os conceitos de quântica para crianças e adolescentes, Guilherme Sipahi percebeu que a combinação entre o lúdico e a tecnologia surte efeito, e desde 2022 vem desenvolvendo com demais pesquisadores jogos que explorem conceitos em realidade virtual. “Por que usamos realidade virtual? Porque a mecânica quântica é tão fora da realidade, tão complicada, que se a pessoa estiver distraída por outras coisas, ela se perde. Então, nós colocamos a pessoa em um ambiente onde só tem a quântica para discutir.”
“Falar hoje de mecânica quântica no ensino fundamental e médio é dar subsídios para que algumas pessoas possam seguir carreira científico-tecnológica em áreas que vão ser fundamentais no desenvolvimento do Brasil.”
Aproveitando que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) declarou 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologias Quânticas, Guilherme Sipahi e uma equipe estão organizando uma exposição interativa sobre mecânica quântica. O projeto já existia antes da declaração da Unesco, mas ganhou força com a visibilidade que a entidade internacional deu ao tema. A exposição interativa já obteve recursos da própria USP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e deve ficar disponível a partir de outubro. A ideia é rodar com o projeto por todas as sete cidades onde a USP possui campus. “Também desenvolvemos um jogo virtual de escape, um escape room. A pessoa vai entrar em um laboratório e tem que realizar experimentos para abrir as portas. Vão ter experimentos que olham para os conceitos clássicos da quântica, como jogar com partículas e luz, e salas que vão explorar conceitos específicos, como o de dupla fenda, onde a pessoa vai encontrar um cristalzinho e tem que jogar elétrons nele para causar interferências. No final, ainda haverá um questionário, repassando todos os ensinamentos.”
A exposição ainda contará com um terceiro espaço, mas sem realidade virtual: uma tabela periódica musical onde cada elemento químico tem um som diferente. “A nossa intenção não é ensinar a mecânica quântica. A gente vai passar alguns conceitos, sim, mas a ideia é deixar a pessoa animada, que ela queira aprender mais. Gosto de usar o termo ‘maravilhar’, é esse o nosso objetivo.” O pesquisador também se preocupa com a atual disseminação de desinformação atrelada ao universo quântico e à Ciência. “Nesse panorama que a gente vive de negação à Ciência, a principal coisa é fazer as pessoas quererem aprender. A gente tem que fazer elas se interessarem, a gente tem que tornar a Ciência um assunto que pode ser legal para elas.”
Para Nathan Lima, falar de quântica a crianças e jovens é desenvolver o senso crítico a essa população e também oferecer oportunidades de futuro. “Pensando de uma forma mais pragmática, a computação quântica e tecnologias da informação quântica têm o potencial de revolucionar tudo o que a gente entende por tecnologia nos próximos anos. E, principalmente, existem áreas econômicas e financeiras, que dialogam diretamente com o desenvolvimento dessas tecnologias. Por exemplo, toda a área de criptografia dos bancos. Então, a gente precisa de pessoas capacitadas a médio e longo prazo para essas áreas de trabalho, para pensar em algoritmos quânticos, desenvolvimento de hardwares, trabalhar com computadores quânticos. Falar hoje de mecânica quântica no ensino fundamental e médio é dar subsídios para que algumas pessoas possam seguir carreira científico-tecnológica em áreas que vão ser fundamentais no desenvolvimento do Brasil”, conclui.
Conheça alguns dos projetos citados na reportagem:
– Livro “O que (não) é quântica
– Coleção de livros “Contém Química!”
– Projeto Menina Ciência, Ciência Menina
– Instagram Nathan Lima (divulgação científica)
Capa. Não é fácil ensinar crianças e jovens porque a física quântica é difícil de se aprender, ou seja, requer maturidade do aluno e conhecimento específico. É importante que esses cursos partam de coisas concretas, que explorem experimentos, mas para isso é necessário recursos.
(Fonte: Freppik. Reprodução)


