Da previsão do tempo ao monitoramento do desmatamento, a trajetória do instituto que transformou o país em potência ambiental e tecnológica
No alvorecer da era espacial, quando as superpotências disputavam a conquista do cosmos, um grupo de visionários brasileiros percebeu que os satélites poderiam ser muito mais que símbolos de poder – seriam ferramentas para entender e proteger nosso próprio planeta. Essa visão singular moldou a trajetória do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que em seis décadas transformou o Brasil em referência global no uso da tecnologia espacial para monitoramento ambiental, previsão climática e desenvolvimento sustentável.
A história começa em 1961, quando o eco da frase “A Terra é azul”, pronunciada pelo cosmonauta Yuri Gagarin, ainda ressoava no mundo. Num gesto de rara ousadia para um país em desenvolvimento, o presidente Jânio Quadros criava o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE). O que parecia um modesto escritório de pesquisas seria o embrião de uma das instituições científicas mais importantes do país.
Primeiros anos
Os primeiros anos foram de desbravamento. Sem tradição em pesquisas espaciais, o Brasil precisou formar sua primeira geração de especialistas quase do zero. Essa política de capacitação criou as bases para o que viria a ser uma das mais respeitadas comunidades científicas do hemisfério sul.
“Sem tradição em pesquisas espaciais, o Brasil precisou formar sua primeira geração de especialistas quase do zero.”
Enquanto isso, no campo tecnológico, o país dava seus primeiros passos concretos. A inauguração do Centro de Lançamento da Barreira do Inferno, em 1965, marcou o início das atividades de lançamento de foguetes no Brasil. Mas foi no processamento de dados de satélites que o INPE começaria a fazer sua maior contribuição. Já em 1970, realizava sua primeira missão de sensoriamento remoto, detectando ferrugem em cafezais mineiros – um prenúncio do que estaria por vir.
Guardião das florestas
A década de 1980 consolidaria o papel do INPE como guardião das florestas brasileiras. Em 1988, criava o PRODES, sistema pioneiro de monitoramento do desmatamento na Amazônia que se tornaria referência global. As pesquisas sobre a Amazônia começaram muito antes, em 1977. O que começou como experimento científico transformou-se em política de Estado, com impactos concretos na preservação da maior floresta tropical do mundo.

Figura 1. Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS-4)
(Divulgação)
O final do século XX trouxe novos desafios e conquistas. A parceria com a China, iniciada em 1988, resultou na série de satélites CBERS, que colocou o Brasil no seleto grupo de países com capacidade de observar a Terra a partir do espaço. Paralelamente, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), criado em 1994, elevou a meteorologia brasileira a novos patamares de precisão.
Vanguarda
O século XXI encontrou o INPE na vanguarda da ciência climática global. Seus pesquisadores participam ativamente dos relatórios do IPCC e lideram iniciativas como o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA). A aquisição do supercomputador Tupã, em 2010, e o lançamento do satélite Amazônia-1, em 2021, mostraram que a instituição mantém sua capacidade de inovar mesmo em tempos de recursos escassos.
“Investir em ciência espacial é ferramenta essencial para construir soberania, proteger o meio ambiente e melhorar a vida de seus cidadãos.”
Hoje, quando um meteorologista prevê uma tempestade, quando um fiscal ambiental identifica um desmatamento ilegal ou quando um cientista estuda as mudanças climáticas, há grande probabilidade de estarem usando tecnologias e conhecimentos desenvolvidos pelo INPE. Sua história mostra que, para um país como o Brasil, investir em ciência espacial não é luxo – é ferramenta essencial para construir soberania, proteger o meio ambiente e melhorar a vida de seus cidadãos.
Num mundo cada vez mais dependente de dados precisos sobre o planeta, o INPE prova que a verdadeira conquista espacial não está em fugir da Terra, mas em entendê-la e preservá-la melhor. Seu legado nos lembra que, às vezes, para enxergar os maiores desafios do Brasil, precisamos justamente do ponto de vista mais distante – o do espaço.


