devastação

Arte e ecologia em tempos de crise ambiental

Expressões artísticas no Brasil e no mundo transformam a paisagem urbana, denunciam crimes ambientais e criam pontes entre cultura, natureza e ativismo

 

As cores vibrantes de uma onça-pintada saltam de uma parede no Boulevard Olímpico, no Rio de Janeiro. A poucos metros do AquaRio, o mural de Sebá Tapajós e Robson Sark é mais do que arte urbana: é um alerta. Ao lado da beleza exótica da biodiversidade amazônica, um QR code leva o público a dados sobre o avanço do desmatamento, espécies ameaçadas e os impactos da mineração. A floresta pintada clama por socorro — e o apelo é feito com tinta, traço e urgência.


Figura 1. Graffiti sobre Amazônia no Boulevard Olímpico.
(Foto: Sebá Tapajós / Robson Sark / WWF-Brasil. Reprodução)

 

Essa obra é um exemplo potente de um movimento crescente que atravessa museus, ruas e bienais: a arte ecológica. No Brasil e no mundo, artistas transformam suas obras em formas de denúncia e resistência diante das ameaças ambientais que se intensificam no século XXI. A arte deixa de apenas representar a natureza e passa a atuar diretamente na sua defesa.

 

A arte como alerta: murais, grafites e instalações contra a devastação

Nas cidades brasileiras, murais e grafites têm sido usados como ferramentas visuais de denúncia. Obras como “Amazônia em Chamas”, do artista Pandro Nobã, retratam o impacto das queimadas em Rondônia e o caos climático em expansão. Em São Paulo, a instalação “Rampant”e, exibida na 12ª Bienal de Arquitetura, utilizou gráficos de variações climáticas para transformar dados científicos em experiência sensorial e crítica social.


Figura 2. Mural faz alerta sobre a destruição do bioma Amazônia.
(Foto: Rainer Almeida/ Notícias da Amazônia. Reprodução)

 

Essas manifestações não apenas embelezam espaços urbanos, mas também provocam reflexões sobre a crise ambiental, conectando ecologia e estética de maneira visceral. Além da denúncia, muitos artistas adotam práticas sustentáveis em seus processos criativos, utilizando materiais reciclados ou orgânicos como forma de alinhamento ético e simbólico com a causa ambiental.

 

Arte ecológica: o ativismo que pulsa entre galhos, raízes e pigmentos naturais

Mais do que um gênero artístico, a arte ecológica é uma prática política e ética. Ela busca promover a consciência ambiental por meio de intervenções que exploram a relação entre natureza, sociedade e cultura. Suas manifestações são diversas — vão da escultura à performance, do mural urbano às instalações em espaços naturais.

No Brasil, essa corrente encontrou em Frans Krajcberg um de seus expoentes mais engajados. Polonês naturalizado brasileiro, Krajcberg dedicou seis décadas a denunciar a devastação das florestas tropicais. Suas esculturas feitas com árvores calcinadas, troncos queimados e cipós recolhidos em áreas destruídas são testemunhos viscerais da destruição ambiental — e também um chamado à resistência. Em 2017, pouco antes de sua morte, Krajcberg doou seu acervo ao governo da Bahia, transformando sua casa em Nova Viçosa no Museu do Ambiente.

 

“A arte ecológica não só representa a natureza — ela a defende, a denuncia e a reinventa.”

 

Outros nomes brasileiros se destacam por fundir arte e ativismo ecológico. Ernesto Neto cria instalações sensoriais com tecidos, plantas e especiarias, provocando uma reconexão entre corpo e ambiente. Néle Azevedo congela pequenas esculturas de gelo que derretem em espaços públicos, simbolizando a fragilidade climática. Guga Ferraz, com intervenções urbanas feitas de lixo reciclado, questiona o consumo e propõe novas formas de pensar o espaço urbano. Já Tunga, com sua poética singular, traz elementos da natureza para explorar a ligação entre psique e paisagem.

 

Uma arte que ultrapassa fronteiras: da land art à ecoarte global

No cenário internacional, nomes como Agnes Denes, Andy Goldsworthy, Olafur Eliasson e Chris Jordan ampliam os limites da arte ecológica. Denes plantou um campo de trigo em plena Manhattan para denunciar o contraste entre natureza e urbanização; Goldsworthy constrói esculturas efêmeras com folhas e pedras, que se integram ao ciclo natural de erosão; Eliasson cria instalações interativas com luz, vento e água para refletir sobre o papel do ser humano nas mudanças climáticas.

Esse tipo de arte tem raízes históricas na land art dos anos 1960 e na arte povera italiana, que incorporavam materiais naturais e contestavam o sistema mercantil da arte. A proposta dessas correntes não era apenas estética, mas política: trazer o meio ambiente para o centro da criação artística, tanto como tema quanto como matéria-prima.

 

Estética e ética: quando o ativismo se torna arte pública

A arte ecológica é também uma ferramenta de engajamento coletivo. Murais, instalações e performances têm a capacidade de despertar a empatia do público ao criar experiências sensíveis sobre temas muitas vezes tratados de forma abstrata. A imagem da onça-pintada ameaçada, por exemplo, humaniza estatísticas alarmantes sobre perda de biodiversidade. O impacto visual provoca reflexão — e, em alguns casos, ação.

 

“Em tempos de emergência climática, a arte pode ser o grito que falta para despertar consciências.”

 

Em tempos de emergência climática, a arte torna-se um canal potente de expressão crítica e mobilização social. Ela revela o que os números escondem, traduz a ciência em emoção e transforma o espaço público em palco para o debate ecológico. É também um lembrete de que proteger a natureza é, antes de tudo, uma escolha cultural — e que a beleza pode ser uma forma de resistência.

 

Entre denúncia e encantamento: o legado de uma arte viva

Do grafite nos muros do Rio à escultura no leito de um rio europeu, da instalação que alerta sobre o degelo polar à pintura que homenageia os guardiões da floresta, a arte ecológica segue desafiando os limites da criação e do ativismo. Seus protagonistas — artistas, curadores, cientistas e cidadãos — compartilham um mesmo impulso: transformar o mundo através da arte e da consciência.

Em um planeta ameaçado por crises ambientais, talvez seja pela sensibilidade estética — e não apenas pela racionalidade técnica — que consigamos reconectar o humano à natureza. Porque, como nos lembra Frans Krajcberg, “a arte é o grito mais forte que posso dar pela vida”.

 

Capa. Frans Krajcberg usava restos de troncos de florestas desmatadas e raízes carbonizados por queimadas para fazer suas escultas e denunciar a devastação.
(Foto: Divulgação)
Blog Ciencia e Cultura

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