Municípios brasileiros não possuem ferramentas de planejamento para implementar ações adequadas de adaptação climática.
É preocupante o cenário da gestão pública brasileira em vários aspectos. Porém, quando nos damos conta que boa parte dos municípios brasileiros são de pequeno porte, cerca de 73% do quantitativo tem entre 10 mil e 20 mil habitantes,[i] até 10 mil habitantes representa 44,8% do total, significando cerca de 12 milhões de habitantes, totalizando 6,3% da população brasileira;[ii] verificamos que as tarefas é complexa e depende de preparo e investimentos adequados. A Figura 1 representa bem essa distribuição populacional por município de forma concentrada nas médias e grandes cidades.

Figura 1. Dados do Censo de 2022 atestando a distribuição populacional
(Fonte: IBGE [iii])[1]
Esse panorama repercute igualmente no Nordeste, pois temos muitos municípios e uma distribuição irregular da população entre eles, havendo uma concentração notadamente nos médios e grandes municípios, geralmente as capitais ou cidades polo como Caruaru, Campina Grande, Petrolina, Mossoró, entre outras. Outro indicador preocupante, para além da concentração da população no Nordeste, especialmente na região semiárida, são as políticas públicas consideradas estruturantes, dentre elas o saneamento básico, notadamente o esgotamento sanitário, coleta e tratamento de esgoto. Os dados no último censo (Figura 2) apontam para um panorama ainda muito ruim no semiárido nordestino.

Figura 2. Dados de conexão ao sistema de esgoto
(Fonte: IBGE [iv])
O Nordeste brasileiro tem uma população rural que chega à cifra de 12 milhões de habitantes e boa parte dessa ainda não possui saneamento básico, especialmente coleta e tratamento de esgoto. Esse é um dado importante que deve ser considerado quando analisamos o nível de resiliência [v] de uma dada região. A priori, o semiárido brasileiro possui condições climáticas e uma vegetação que aponta para dificuldades que podem ser potencializadas com o processo de mudanças climáticas. Além disso, é importante reconhecer o nível de risco para secas a que os nossos municípios do sertão semiárido estão expostos, como podemos encontrar na Figura 3 extraída do Adapta Brasil, do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI).[vi]

Figura 3. Índice de risco de Impacto para Seca
(Fonte: MCTI, plataforma Adapta Brasil [vii])
Dessa forma, boa parte dos municípios do semiárido brasileiro está incluída em uma zona de risco de seca. Esse é um ponto cujo conhecimento está consolidado. Entretanto, é preciso pensar em termos de adaptação, indicando-se o nível de capacidade adaptativa regional. Adaptação está relacionada com processos sociais e técnicos linkados com à mudança do clima sendo o processo de ajuste de sistemas naturais e humanos ao comportamento do clima no presente e no futuro e seus efeitos, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU (IPCC).[viii] Di Giulio, Martins e Lemos (2016)[2] apontam que adaptação é compreendida como processos de ajustamentos para antecipar impactos adversos das mudanças climáticas que resultam na redução da vulnerabilidade.
“O semiárido brasileiro possui condições climáticas e uma vegetação que apontam para dificuldades que podem ser potencializadas com o processo de mudanças climáticas.”
A vulnerabilidade é uma variável importante para entendermos o desenho da repercussão climática frente às características socioecológicas e econômicas. Isso é fundamental para planejarmos ações específicos em regiões como o semiárido nordestino. Segundo Obermaier e Rosa (2013),[3] a vulnerabilidade está ligada às iniquidades na distribuição de recursos e de acesso, ao controle que indivíduos conseguem fazer sobre escolhas e oportunidades, e padrões históricos de marginalização e dominação social. Portanto, é preciso contextualizar as condições locais e regionais para que ações específicas para adaptação climática possam acontecer.
A plataforma Adapta do MCTI traz outro índice que consideramos de importância para a construção desse panorama das mudanças climáticas no sertão semiárido. A Figura 4 traz o Índice de Capacidade Adaptativa,[ix] composto com três subeixos planejamento e gestão de risco para recursos hídricos, capacidade de abastecimento e reservação de água e a capacidade socioeconômica familiar.

Figura 4. Índice de Capacidade Adaptativa
(Fonte: Plataforma Adapta Brasil no MCTI, https://sistema.adaptabrasil.mcti.gov.br/)
A conclusão que a plataforma traz é a evidente falta de planejamento que compromete o nível de exigência que se busca para efetivação de ações que aumentem o patamar de adaptação climática, transformando os municípios em territórios mais resilientes. A Figura 5 traz apenas uma das dimensões abordadas especificamente em relação ao nível de implementação e articulação do plano municipal de saneamento básico.[x]

Figura 5. Nível de Implementação e Articulação do Plano Municipal de Saneamento Básico.
Fonte: Plataforma Adapta Brasil no MCTI, https://sistema.adaptabrasil.mcti.gov.br/
Esse quadro também não é bom quando se vai para outras dimensões dentro de Planejamento, como a Adesão ao Programa Cidades Resilientes,[xi] a Programas ou ações de prevenção e combate à seca, [xii] e Investimento per capita em Políticas de Adaptação e Infraestrutura para Proteção Ambiental. É importante destacar também que o Nível de Atuação em Comitês de Bacia também é baixo,[xiii] isso demonstra que é preciso melhorar a capacidade de articulação e inserção da agenda da adaptação no âmbito das políticas climáticas locais e regionais.
“Boa parte dos municípios do semiárido brasileiro está incluído em uma zona de risco de seca.”
O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais em relatório emitido em 2021 [4] já apontava a necessidade de um Sistema de Defesa Civil robusto no Nordeste, considerando que são recorrentes os decretos de reconhecimento de calamidade pública, especialmente em virtude de estiagens, como aponta a Figura 6 extraída do aludido relatório.

Figura 6. Reconhecimentos de calamidades públicas no semiárido nordestino
(Fonte: Brasil, 2021)
Entre 2013 e 2020, grande parte dos municípios de pequeno porte expediu decretos de calamidade pública, apontando para a fragilidade socioeconômica desses municípios em atuar plenamente em processo de resolução dos efeitos de desastres, necessitando do aporte de recursos da União e dos Estados. Geralmente esses municípios têm arrecadação própria baixa, dependendo da repartição tributária através do Fundo de Participação. Na Figura 6, é possível verificar partes mais escuras que são cidades que decretaram situação de calamidade pública. Os desastres entre 1995 e 2019 representaram perdas financeiras de 140,6 bilhões para o Nordeste.[4]
As defesas civis do Nordeste, especialmente do semiárido, padecem da falta de estrutura mínima para seu funcionamento, a exemplo de recursos humanos em número condizendo às necessidades, falta de alocação adequada no organograma administrativo do município, boa parte não possui nem viatura para realização das atividades básica, parte não possui orçamento próprio, enfim, falta, na verdade, uma política pública adequada.
Alguns apontamentos finais/iniciais
Esse artigo de opinião teve como escopo chamar a atenção a necessidade urgente de planejamento focado em resultados que possam ser traduzidos em uma maior capacidade adaptativa por parte de cidades já inseridas em um contexto de vulnerabilidade estrutura, cuja variável climática está presente desde sempre como um obstáculo a ser superado, ou melhor, a ser tratado se forma mais focada em processos de adaptação climática.
“Nossos municípios, via de regra, não estão preparados e não possuem ferramentas de planejamento a curto, médio e longo prazo para implementar ações adequadas de adaptação climática.”
Os nossos municípios, via de regra, não estão preparados e não possuem ferramentas de planejamento a curto, médio e longo prazo para implementar ações adequadas de adaptação climática, agindo muito mais para “apagar incêndios” quando os desastres acontecem. Daí, sempre as cenas se repetem, seja de enchentes em regiões semiáridas do Nordeste e da escassez como premissa do nosso Nordeste.
Na verdade, não é apenas orçamento que resolveria essa ausência de ações, mas o aumento da capacidade de articulação entre comunidades, municípios, Estados e Governo Federal, passando pela formação de quadros capacitados para dar coerência aos planos e à fase de execução. Os planos precisam estar articulados entre si, plano diretor, planos climáticos, planos de bacia, planos de saneamento, havendo um planejamento urbano conectado com o espaço rural. Algumas capitais brasileiras já possuem seu plano de ação climática, não sendo, ainda, uma realidade da grande maioria dos municípios brasileiros.


