Editorial
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Cidades e meio ambiente

Desigualdades, clima extremo e justiça socioambiental: uma reflexão urgente sobre os desafios urbanos no Brasil contemporâneo

 

A principal motivação que orientou a escolha dos autores para este volume sobre Cidades e Meio Ambiente, em suas múltiplas dimensões territoriais, socioeconômicas e socioambientais, é a necessidade de incorporar a diversidade e especificidade dos biomas brasileiros diante dos riscos que se apresentam no ambiente urbano. No contexto metropolitano brasileiro, os problemas ambientais têm se avolumado em virtude da concentração da urbanização combinada com a desigualdade social e seus impactos no cotidiano da população. A “insustentabilidade” do padrão de urbanização metropolitano se caracteriza pela prevalência de um processo de expansão e ocupação dos espaços intraurbanos que, na maioria dos casos, configura uma realidade dramática: baixa qualidade de vida para parcelas significativas da população. A dualidade das cidades é acentuada pelo crescimento da ilegalidade urbana, que, ao estruturá-las, exacerba os problemas socioambientais, sobretudo nos territórios marcados por urbanização precária e acesso desigual aos investimentos públicos — o que torna urgente garantir mudanças sociopolíticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais nos quais se sustentam as comunidades.

Este volume inclui artigos, textos de opinião, reportagens, podcasts e vídeos, formato original da revista Ciência & Cultura, que visa apresentar a diversidade de formas de comunicação para abordar uma mesma temática. Os artigos discutem a problemática das cidades no Nordeste, na Amazônia, no Rio Grande do Sul e em zonas costeiras, além de temas relacionados à adaptação climática, à inclusão socioprodutiva de catadores, aos impactos das ondas de calor, e a questões de inclusão social e racismo ambiental.

 

“A emergência climática não é mais uma previsão distante, mas uma realidade que transforma radicalmente a vida nas cidades brasileiras.”

 

Os textos de opinião abordam temas como adaptação urbana, redes de cidades globais, biodiversidade e o papel das cidades no sertão. As reportagens, por sua vez, retratam a diversidade das mobilizações sociais, da arte urbana, dos avanços tecnológicos, além dos impactos na saúde mental e ambiental, e do papel da educação ambiental e da alimentação sustentável. Os podcasts e vídeos complementam este volume, contribuindo para ampliar a reflexão frente aos desafios das inovações e da transição socioecológica nas cidades.

O volume aborda temáticas fundamentais em um momento prévio à COP 30, considerando que os problemas socioambientais são parte do cotidiano das cidades brasileiras. Os eventos climáticos extremos — cada vez mais frequentes — afetam transversalmente a vida dos habitantes em todos os biomas e territórios. A emergência climática não é mais uma previsão distante, mas uma realidade global: as cidades tornaram-se extremamente suscetíveis a chuvas intensas, secas severas e ondas de calor. O aumento e a crescente intensidade desses eventos ampliam os custos sociais, econômicos e ambientais, desafiando a capacidade de resposta dos municípios. A vulnerabilidade urbana às mudanças climáticas está diretamente ligada à pobreza e à falta de acesso a recursos essenciais, o que dificulta a adaptação e a resposta adequada da população aos desafios. Nos últimos anos, assistimos a eventos climáticos com grandes perdas humanas, materiais e ambientais — como as enchentes no Rio Grande do Sul, a seca na região Norte e no Centro-Oeste e os incêndios e secas no Pantanal, com danos severos à biodiversidade.

Esse cenário demanda a implementação de ações focadas na adaptação climática, com o objetivo de reduzir os impactos negativos sobre a saúde, as condições de vida e as infraestruturas urbanas. É importante destacar que esses impactos não são distribuídos igualmente: os mais pobres e os grupos historicamente excluídos são os mais afetados, dada sua menor capacidade de recuperação. A adaptação climática nas cidades exige enfrentar, de forma integrada, desafios relacionados ao acesso à terra e à moradia, à qualificação da infraestrutura urbana e ao uso da natureza como aliada. No entanto, a falta de capacitação técnica dos municípios, a ausência de dados e informações, a escassez de projetos e a baixa sensibilização política são barreiras importantes. Essas limitações exigem políticas que também contribuam para reduzir as desigualdades, conservar o meio ambiente e mitigar os efeitos da mudança climática.

 

“As periferias e favelas, historicamente marginalizadas, têm precária capacidade adaptativa para lidar com os desastres climáticos.”

 

A realidade urbana brasileira, diante dos desafios climáticos, exige uma abordagem sistêmica e flexível, que envolva o fortalecimento institucional, capacitação técnica, planejamento financeiro e avaliação de múltiplos riscos. O planejamento urbano baseado em riscos torna-se essencial para a construção de infraestruturas resilientes. Tradicionalmente, a adaptação tem se apoiado em soluções de engenharia convencionais, que muitas vezes não são sustentáveis ou economicamente viáveis. Isso torna necessário integrar soluções baseadas na natureza, fortalecer os serviços ecossistêmicos, aprimorar a governança, os sistemas de gestão de emergências e incentivar a corresponsabilização da sociedade por meio de uma maior percepção dos riscos climáticos.

É sempre fundamental destacar que periferias e favelas são territórios historicamente marginalizados, com precária capacidade adaptativa para enfrentar ou se recuperar de desastres climáticos. Essa condição perpetua a pobreza e a exclusão dessas populações. Os grupos mais vulneráveis — mulheres, crianças, minorias étnicas, comunidades pobres, migrantes, refugiados, idosos e pessoas com doenças crônicas — são desproporcionalmente afetados, o que agrava as desigualdades sociais preexistentes. Povos indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores de setores em transição continuam excluídos dos processos de decisão, assim como as mulheres, que, apesar de estarem na linha de frente das ações durante crises, seguem sub-representadas nos espaços de formulação de políticas climáticas.

Nesse sentido, a justiça climática precisa deixar de ser apenas um princípio e se tornar uma diretriz real, que oriente governos, empresas e sociedade civil. É necessário garantir participação efetiva e o reconhecimento do papel fundamental dessas populações na proteção do clima e na promoção da qualidade de vida, em direção a um desenvolvimento justo e sustentável — que não repita práticas que perpetuam injustiças ou aprofundam vulnerabilidades.

 

“Justiça climática precisa ser mais do que um conceito: deve orientar políticas públicas, decisões econômicas e ações sociais em direção a um futuro mais justo e resiliente.”

 

Há um grande desafio em promover processos cooperativos e incentivar práticas de aprendizagem social. A transparência na gestão pública será um elemento essencial para ampliar a confiança dos cidadãos, fortalecendo a corresponsabilização. Isso exige uma forte ação comunicativa: é preciso promover diálogos abertos sobre riscos, multiplicar o conhecimento e investir em processos comunicativos que fortaleçam a capacidade adaptativa da sociedade. O diálogo entre saberes diversos e a ação social articulada ampliam a compreensão da realidade e estimulam o enfrentamento coletivo dos riscos, promovendo o desenvolvimento de capacidades para lidar com os impactos climáticos nos territórios mais vulneráveis.

Desejamos a todos uma excelente leitura e estimulamos a multiplicação da diversidade de temas aqui apresentados, numa perspectiva de ampliação do diálogo entre ciência, governança e sociedade, incorporando diferentes formas de conhecimento para fortalecer uma agenda de capacidade adaptativa e redução de riscos frente à emergência climática.

 

Capa. Meio ambiente é fundamental para a saúde das cidades
(Foto: Daniel Castellano / SMCS. Reprodução)
Pedro Jacobi

Pedro Jacobi

Pedro Jacobi é professor titular sênior do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/IEE/USP) da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador do grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Pedro Jacobi é professor titular sênior do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/IEE/USP) da Universidade de São Paulo (USP) e Coordenador do grupo de Estudos de Meio Ambiente e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP.
1 comment
  1. A total falta de mencionar Demografia revela que somente problemas são apresentados com proposições que se resumem a meros paliativos. A miséria e todos esses problemas resultam da necessidade de excesso populacional para consumir o que o agronegócio e mineração produzem e exigem para obter altos lucros e suas imposições. No Brasil, como exemplo, mais de 80% dos congressistas são do Agronegócio e Mineração!

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