Projetos em favelas, ocupações e escolas públicas revelam como a educação ambiental, aliada à arte e ao protagonismo local, se torna uma poderosa ferramenta de transformação frente à emergência climática.
Com as mudanças climáticas avançando de forma desigual e alarmante sobre o território brasileiro — da estiagem na Amazônia às enchentes no Sul — torna-se cada vez mais urgente pensar a educação ambiental como uma política pública estratégica. Mas não apenas como conteúdo escolar: na prática, são nas margens das cidades e do sistema educacional que vêm surgindo algumas das experiências mais potentes. Hortas, oficinas, grafites, compostagem, estudos do território e ações coletivas se espalham por favelas, ocupações e escolas públicas, reinventando o ensino e a cidadania em tempos de crise climática.
Essas iniciativas, muitas vezes invisibilizadas pelas políticas de larga escala, vêm colocando a vida cotidiana e os saberes locais no centro do debate ambiental. Especialistas defendem que é preciso dar condições para as crianças saírem da escola, irem para o quintal de uma casa, uma unidade de conservação no bairro ou no município. E essa premissa vem sendo colocada em prática por educadores, estudantes e artistas que fazem da educação ambiental uma prática territorializada, sensível e transformadora.
Quando a crise climática bate à porta: educação e ação nas periferias
Em favelas e ocupações urbanas, onde os impactos da degradação ambiental são sentidos de forma direta e cotidiana, a educação ambiental ganha contornos de urgência. Não se trata apenas de aprender sobre o problema, mas de enfrentá-lo com as ferramentas possíveis.
“A crise climática não é um fenômeno natural inevitável — é resultado de escolhas. E a educação ambiental é o primeiro passo para transformá-las.”
A criação de hortas comunitárias tem sido um dos caminhos mais efetivos. Além de fornecer alimentos frescos e acessíveis, essas hortas promovem o senso de comunidade, valorizam práticas sustentáveis e integram diferentes gerações em torno do cuidado com o território. Em paralelo, projetos de coleta seletiva e reciclagem — muitas vezes coordenados por catadores — fortalecem a economia circular e reduzem o volume de resíduos descartados irregularmente.
Outras ações envolvem oficinas de educação ambiental sobre uso da água, fontes de energia e combate ao desperdício; iniciativas de compostagem doméstica; e mutirões para recuperar áreas degradadas ou transformar espaços abandonados em praças verdes.
As escolas como laboratórios de sustentabilidade
Na escola pública brasileira, experiências inovadoras vêm integrando meio ambiente, currículo e território. Um exemplo é a Escola Estadual Cacique Domingos Barbosa dos Santos, na Paraíba, que realiza ações de reflorestamento em nascentes ameaçadas do território indígena onde está inserida. Ali, estudantes, professores e famílias aprendem juntos técnicas de plantio, cuidado com as mudas e gestão comunitária da água. (Figura 1)

Figura 1. Escola Estadual Cacique Domingos Barbosa dos Santo
(Foto: Governo do Paraíba. Reprodução)
Outro caso inspirador é o da Escola Alceu Amoroso Lima, em Natal (RN), onde uma horta planejada com conceitos matemáticos se transformou em ferramenta interdisciplinar: os estudantes aprenderam sobre biologia do solo, cultivo de ervas medicinais e até precificação dos produtos, que passaram a ser vendidos em uma feira aberta à comunidade. O recurso arrecadado é gerido democraticamente pelos alunos.
Em São Paulo, a EMEF Teófilo Benedito Ottoni transformou praças e hortas comunitárias em salas de aula a céu aberto, mobilizando uma rede de nove escolas do território. Já em Paraty (RJ), um marinheiro que transportava crianças se tornou referência em etnometeorologia, inspirando um projeto pedagógico sobre clima e saberes populares. (Figura 1)

Figura 2. Escola Teófilo Benedito Ottoni
(Foto: Escola Teófilo Benedito Ottoni . Reprodução)
A arte como ponte entre ciência e território
A arte também tem sido aliada poderosa da educação ambiental nas periferias. Murais, grafites, instalações e performances ecoam mensagens sobre justiça climática, desmatamento e preservação da biodiversidade. O projeto “A Amazônia que inspira precisa respirar”, por exemplo, articulou artistas como Sebá Tapajós e Robson Sark para pintar um gigantesco mural no Boulevard Olímpico, no Rio de Janeiro, retratando a fauna amazônica ameaçada — como a onça-pintada — e convidando os passantes a escanear QR Codes com dados atualizados sobre o desmatamento.
“Educação ambiental não deve ser mais uma disciplina: precisa ser transversal, participativa e conectada à vida real.”
Em escolas públicas, a arte se entrelaça com o currículo para abordar de forma sensível temas complexos como a escassez de água, o racismo ambiental e a relação entre consumo e meio ambiente. Peças teatrais, vídeos e cartazes produzidos pelos próprios estudantes circulam pelas comunidades como ferramentas de denúncia e reflexão.
Educação climática: transversal, crítica e participativa
Com eventos extremos se tornando mais frequentes e intensos — como as chuvas devastadoras no Sul ou a seca histórica na Amazônia — cresce a necessidade de uma educação climática transversal, crítica e conectada às realidades locais. Para especialistas, isso exige superar a ideia de uma disciplina isolada e promover o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, como ciências, geografia, história e artes.
Políticas públicas e redes de ação
O Brasil conta hoje com marcos importantes como o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA), o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima (PNA) e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Mas ainda falta articulação entre as esferas pública, acadêmica e social. Redes como a Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) e ONGs como o Instituto Socioambiental e SOS Mata Atlântica vêm preenchendo parte dessas lacunas com formação de educadores, produção de materiais e projetos em territórios vulnerabilizados.
O Projeto Pacto Global de Jovens pelo Clima é outro exemplo que se destaca ao conectar jovens de mais de 20 países, promovendo o protagonismo juvenil na construção de soluções para os desafios climáticos. No Brasil, iniciativas como essas ajudam a tornar a crise climática mais compreensível, concreta e enfrentável — não como um fenômeno natural e inevitável, mas como resultado de escolhas e políticas que podem (e precisam) ser transformadas.


