Oásis urbanos para adaptação ao calor: a emergência silenciosa

As oportunidades de adaptação devem estar onde as pessoas estão, prioritariamente para os que estão sob maior risco ao calor.

Resumo

O calor extremo é, cada vez mais, uma emergência silenciosa. Os anos de 2024 e 2023 foram os mais quentes desde a era pré-industrial, respectivamente. Abril de 2025 foi o 21º mês, dentre os últimos 22 até então, com temperaturas acima de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, com evidências cada vez mais robustas de morbidade e mortalidade decorrentes do calor nos estudos de atribuição. No Brasil, nove ondas de calor foram registradas em 2023 e outras nove em 2024. Com 87% da população vivendo em áreas urbanizadas, profundamente marcadas por desigualdades, o país tarda em definir e colocar em prática medidas estruturais de adaptação ligadas às necessidades da vida diária da população, especialmente dos mais vulneráveis e mais expostos ao risco. Como uma primeira medida de adaptação ao calor, propõe-se uma rede de oásis urbanos nos espaços públicos, prioritariamente ao longo dos eixos de mobilidade do transporte coletivo e de mobilidade ativa, nas escolas, nos espaços esportivos e de lazer e nos centros comunitários, formais e informais. O propósito da rede é criar espaços de resfriamento ou refúgios climáticos com soluções baseadas na natureza e outras estratégias de desenho urbano e desenho dos edifícios, ligando as evidências científicas do aquecimento urbano, de forma territorializada, à vida na cidade. Localmente, em São Paulo, propõe-se esta rede como uma medida estruturante a ser incorporada à revisão do plano de ação climática, PlanclimaSP, em curso.

Introdução

Em 2018, 55% da população já vivia em cidades, proporção que deve aumentar para 68% em 2050. As projeções mostram que a urbanização, combinada com o crescimento da população mundial, pode adicionar outras 2,5 bilhões de pessoas em áreas urbanas até 2050, principalmente na Ásia e na África.[1] No Brasil, atingimos 87% de população urbana em 2022.[2]

Globalmente, os últimos dez anos foram os mais quentes já registrados. 2024 foi o ano mais quente já registrado — seguido por 2023 — e o primeiro ano-calendário com temperatura média 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.[3] No Brasil, o ano de 2024 foi o mais quente desde 1961; a média das temperaturas do ano no país ficou 0,79°C acima da média histórica 1991-2020.[4]

Em paralelo, como uma das decorrências das mudanças climáticas globais em curso, é notório o aumento da frequência, da duração e da intensidade das ondas de calor, agravando diferentes fenômenos de aquecimento urbano que aumentam o desconforto, o stress térmico, a mortalidade e a demanda por energia para resfriamento. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia,[4] no Brasil, foram 9 ondas de calor em 2023 e outras 9 em 2024.

Em São Paulo, quarta maior aglomeração urbana do mundo, dados climáticos medidos revelam um padrão claro de aquecimento; desde o início das medições em 1933, houve um aumento de cerca de 4oC na média anual da temperatura máxima do ar. A temperatura máxima registrada no mesmo período ocorreu em novembro de 2023 e foi equivalente a 38,3 °C.[5]

Esses eventos, globais e locais, mostram que os extremos de calor vêm acontecendo em um novo patamar. Os extremos de calor mudam linearmente com o aquecimento global, em uma frequência que praticamente dobra a cada década, desde 1979. Isso torna o clima de uma década atrás não representativo do clima atual.[6] Muitas vezes, os eventos extremos acontecem também de forma composta ou em cascata.

O calor extremo vem sendo chamado de emergência silenciosa, de emergência de saúde global e, até mesmo, de assassino silencioso. Essa invisibilidade é mais um desafio a ser enfrentado, porque não enxergamos, diretamente, os efeitos do calor, ao contrário do que acontece com eventos de chuvas extremas, inundações, deslizamentos de terra e incêndios florestais, por exemplo.

Em todo o mundo, estudos de atribuição de mortes pelo calor demandam um certo tempo para serem consolidados. Em muitos casos, a causa da morte é atribuída a outros fatores. As evidências estão no aumento do número de chamados de ambulância, atendimentos em unidades de saúde, admissões hospitalares e, finalmente, aumento do número de mortes excedentes, que podem ser coincidentes ou imediatamente posteriores a eventos com temperaturas elevadas, assim como acontece com eventos extremos de poluição atmosférica. Segundo Paulo Saldiva,[7] nos dias mais quentes, há um aumento de 50% no número de mortes em São Paulo. As pessoas podem ter um mal-estar súbito devido às altas temperaturas, acompanhadas às vezes de baixa umidade e quase sempre de altas doses de poluição atmosférica.

A América do Sul, particularmente o Brasil, carece de pesquisas sobre os impactos dos extremos de temperatura na saúde, especialmente sobre o papel desempenhado por fatores socioeconômicos no risco de doenças relacionadas ao calor. Uma análise abrangente dos efeitos das ondas de calor nas taxas de mortalidade nas 14 áreas urbanas mais populosas, compreendendo aproximadamente 35% da população do país, mostra que eventos extremos de calor são um desastre negligenciado no Brasil. No entanto, mais de 48.000 mortes foram relacionadas ao aumento da ocorrência de ondas de calor de 2000 a 2018, o que significa que as ondas de calor mataram 20 vezes mais do que os deslizamentos de terra no mesmo período.[8]

 

A ciência da adaptação

Segundo o climatologista Carlos Nobre, a ciência da adaptação, de forma geral, é uma ciência ainda desassistida que, por muito tempo, foi deixada em segundo plano (informação obtida verbalmente).

Dentre os riscos das mudanças climáticas, o risco ao calor também foi negligenciado, talvez pela falta de dados e pela falta de percepção de que o calor mata, mais ainda em contextos socioeconômicos mais frágil, em todo o mundo. Uma revisão da literatura investigando os riscos globais relacionados ao clima em assentamentos informais nos últimos 23 anos revelou uma tendência crescente de artigos publicados sobre riscos relacionados à mudança do clima, particularmente nos últimos seis anos; no entanto, apesar da prevalência de altas temperaturas, os estudos que abordam os riscos relacionados ao calor são pouco explorados.[9]

 

“O calor extremo vem sendo chamado de emergência silenciosa, de emergência de saúde global e, até mesmo, de assassino silencioso.”

 

Independente do estágio de desenvolvimento local, os esforços empreendidos, principalmente os esforços políticos, são feitos, com muito mais frequência, para a mitigação, que é a redução de emissão de gases de efeito estufa. Essa é uma métrica mais fácil de se quantificar, de se monitorar, e os inventários de emissões são feitos com certa regularidade por governos e organizações não-governamentais, tornando os dados quantitativos mais visíveis à opinião pública, além de serem parte dos acordos internacionais. A ciência da mitigação é uma ciência muito mais estabelecida e que, politicamente, causa mais impacto por ser mais quantitativa, enquanto os efeitos da adaptação, ambientais e socioeconômicos, ainda são insuficientemente medidos, monitorados e, portanto, muito invisibilizados. Para reverter esse quadro, a ciência precisa de dados voltados às estratégias de adaptação, daí a importância do monitoramento das ações com base em indicadores.

A falta de dados nas cidades brasileiras decorre, de início, da falta de uma rede de monitoramento climático na área urbanizada, em diferentes morfologias urbanas, que revelem os contrastes entre diferentes áreas da cidade e também monitorem os resultados das ações de adaptação climática ao longo do tempo.

Monitoramento e avaliação das ações ao longo do tempo poderiam prover, por exemplo, evidências do efeito microclimático do sombreamento e evapotranspiração da vegetação, da eficácia da infraestrutura cinza e verde/azul, para saber se e como as obras de engenharia e as soluções baseadas na natureza estão funcionando, e em que medida. Além de saber quanto chove e onde, precisamos saber quanto infiltra, quanto escoa, para se avaliar a estratégia ao longo do tempo e planejar a manutenção necessária.

Adaptação em áreas urbanizadas na escala do planejamento e do desenho urbano

Os modelos climáticos globais e regionais são de grande escala e a pesquisa interdisciplinar entre meteorologia e arquitetura e urbanismo busca fazer esse downscaling para escalas menores, principalmente em áreas urbanizadas, trazendo os dados microclimáticos, os cenários e a discussão para as escalas do planejamento, do desenho urbano e dos edifícios. Em áreas urbanizadas, os padrões de uso e ocupação do solo e as emissões de calor antropogênico podem ser mais impactantes nas tendências de aquecimento local do que as emissões de gases de efeito estufa, o que significa que o desenho, nas várias escalas da arquitetura e urbanismo, importa.

Uma sistematização de planos de adaptação climática vigentes no Brasil e no mundo mapeou iniciativas em todos os continentes, a partir de 153 planos selecionados, dos quais 12 provêm da África, 86 das Américas, 26 da Ásia, 25 da Europa e 4 da Oceania. Os planos foram sistematizados geográfica e temporalmente, bem como foram elencadas as estratégias mais adotadas e as melhores práticas. Além da predominância de ações de adaptação ligadas à infraestrutura verde, encontradas em 74% dos planos, destacam-se as respostas às ondas de calor e a provisão de locais de resfriamento, mencionados em 44% e 33% dos documentos analisados, respectivamente.[10] Localmente, em São Paulo, os resultados evidenciam a urgência de medidas estruturantes de adaptação, para além de medidas pontuais e emergenciais, como a Operação Altas Temperaturas (OAT), uma ação intersecretarial da Prefeitura Municipal de São Paulo que entrou em vigor em setembro de 2023, em meio a uma sucessão de ondas de calor, que ocorreram mesmo no inverno, naquele ano.

Na escala urbana, as infraestruturas verde e azul podem ser estratégias eficazes, com uma série de co-benefícios, para a regulação do clima na microescala e para a economia de energia, principalmente pelo sombreamento e pela evapotranspiração promovida pela vegetação arbórea, aliada à necessária disponibilidade de água no solo. O sombreamento em diferentes graus nos espaços abertos, por elementos arquitetônicos e paisagísticos, aliado ao adequado tratamento das superfícies urbanas, são igualmente relevantes para o balanço de energia nas áreas urbanas. Juntos, esses elementos do desenho urbano fazem toda a diferença, apoiando principalmente as estratégias de mobilidade ativa e o uso dos espaços abertos.

 

Quantificando e espacializando o risco ao calor em São Paulo

Segundo o IPCC, risco é função de três determinantes: perigo, vulnerabilidade e exposição.[11] O perigo está diretamente conectado às questões ambientais,[12] vulnerabilidade às susceptibilidades, fraquezas e predisposições — bem como à sensibilidade e capacidade adaptativa dos indivíduos — e exposição às condições de uma área específica. A forma como as pessoas são afetadas pelas temperaturas extremas está conectada à realidade em que vivem.[13] Portanto, a espacialização do risco ao calor, que considera as especificidades dos territórios urbanos, é importante medida de adaptação climática e potencial ferramenta de planejamento urbano, estabelecendo prioridades de atuação e melhor alocação dos recursos.

 

“A forma como as pessoas são afetadas pelas temperaturas extremas está conectada à realidade em que vivem.”

 

Em São Paulo, o risco ao calor foi mapeado a partir de dados ambientais e socioeconômicos, e os resultados evidenciaram uma forte relação com os aspectos socioeconômicos. O mapa foi desenvolvido na escala do setor censitário, utilizando dados públicos e a opinião de especialistas. Além de suprir uma lacuna sobre o tema em cidades subtropicais, o método incluiu parâmetros inéditos, como o tipo de habitação, a morfologia urbana e a proximidade com a vegetação. Uma vez desenvolvido na escala do setor censitário, pode ser adaptado e replicado para qualquer cidade brasileira.[14]

O mapa de risco ao calor (Figura 1) captura a interação entre aspectos socioeconômicos e ambientais, e mostrou que os setores censitários classificados como áreas de risco “alto” ou “extremamente alto” estão localizados principalmente nas áreas periféricas. Neles, as pessoas são mais vulneráveis — são mais sensíveis ao calor e possuem menor capacidade adaptativa —, mais suscetíveis aos perigos — especialmente às altas temperaturas e falta de espaços verdes, em áreas caracterizadas por superfícies impermeáveis — e estão mais expostas ao calor — vivendo em habitações precárias em meio a aglomerados populacionais. Ainda, é clara a sobreposição de favelas e alta densidade populacional, o que eleva ainda mais os níveis de exposição ao calor.[14]


Figura 1. Da esquerda para a direita: mapa geral de risco ao calor e destaque para as áreas expostas a níveis de risco alto e extremamente alto.
(Fonte: Muñoz, Duarte e Emmanuel (2025)

 

O risco ao calor é parte de uma cadeia de diferentes aspectos da desigualdade. Populações de baixa renda, que têm menos acesso a áreas verdes adequadas e que vivem em áreas urbanas precárias e densamente habitadas, compostas principalmente por favelas ou moradias em más condições, são os mesmos que, com menor capacidade adaptativa, precisam enfrentar níveis altos ou extremamente altos de risco ao calor em São Paulo.[14] Para além das questões climáticas, essa mesma população enfrenta outros desafios, como o menor acesso ao lazer — mais facilmente acessado por modos privados de transporte [15] — e aos equipamentos culturais.[16] Muitos trabalham sob condições que aumentam a sua exposição ao calor, como vendedores ambulantes, operários na construção civil e outros. Após um dia de trabalho sob exposição às altas temperaturas, essas pessoas continuam expostas em suas casas e seu alto nível de vulnerabilidade faz com que a recuperação do corpo e o descanso se tornem grandes desafios.

Se os formuladores de políticas públicas quiserem reduzir o risco ao calor, o caminho mais eficaz é a melhoria das condições socioeconômicas da população mais vulnerável, exposta aos perigos e aos maiores níveis de risco. A capacidade de adaptação é um dos elementos-chave no enfrentamento ao calor extremo, e depende de políticas públicas e de governança. Uma vez melhoradas as condições socioeconômicas, a vulnerabilidade e a exposição serão reduzidas e, por conseguinte, a sua capacidade adaptativa será melhorada.[14]

 

A falta do verde e a falta de espaço

O município de São Paulo abriga aproximadamente 11,5 milhões de habitantes em seus quase 1500 km² de território, inserido em uma região metropolitana de 22 milhões de habitantes. A densidade populacional média do município é de 75,3 hab/ha, com variações significativas entre os diferentes distritos.[17]

No município, a distribuição do verde é claramente desigual. De modo geral, áreas periféricas, mais vulneráveis e densamente populosas, tendem a ser mais impermeabilizadas, mais distantes de áreas verdes qualificadas e com menor taxa de cobertura vegetal, em especial, arbórea. Esse cenário árido é um dos reflexos dos padrões de urbanização típicos de São Paulo e da maioria das cidades brasileiras, pautados pela supressão da vegetação para dar lugar às superfícies impermeáveis. Se, por um lado, é imprescindível pensar em estratégias de desenho urbano e políticas públicas de incremento do verde para novos territórios, é ainda mais urgente e desafiador pensar sobre os espaços urbanos consolidados. Essa preocupação surge do paradoxo entre a falta do verde, medida essencial de adaptação climática e enfrentamento dos extremos de temperatura, e a falta de espaço livre para a vegetação.

Com o intuito de entender como essa questão vem sendo abordada e resolvida em outras cidades, uma sistematização de ações de planejamento urbano e de instrumentos urbanísticos voltados para o incremento do verde em espaços urbanos consolidados e públicos foi realizada a partir da literatura científica e da literatura cinza. Uma busca em bases científicas e nas páginas oficiais dos municípios resultou em uma amostra de 126 estratégias distribuídas em 73 documentos, de 22 países e 46 municípios, de todos os continentes (Figura 2), sistematizadas de acordo com seu foco: redesenho de ruas, aproveitamento de espaços ociosos, sejam eles subutilizados ou abandonados, despavimentação e acesso público — com diferentes níveis de acesso e controle — a áreas verdes privadas. As melhores práticas incluem desde as soluções mais simples e menos custosas — como a simples transformação de uma superfície impermeável em permeável — até outras mais complexas — como o redesenho completo de partes do sistema viário a partir da supressão de faixas destinadas aos automóveis e alargamento das calçadas. Essa sistematização traz evidências de que o incremento da vegetação em todo o tecido urbano consolidado é um grande desafio, mas, definitivamente, possível.[18]


Figura 2. Espacialização da sistematização de estratégias de incremento do verde urbano.
(Fonte: Muñoz e Duarte (2025)

 

Proposição da rede de oásis urbanos

Os centros de resfriamento ou refúgios climáticos podem configurar uma rede de oásis urbanos nos espaços públicos, prioritariamente ao longo dos eixos de mobilidade do transporte coletivo e de mobilidade ativa, nas escolas, nos espaços esportivos e de lazer e nos centros comunitários, formais e informais, aproveitando a infraestrutura existente, e estejam minimamente disponíveis para a população, em caráter permanente.

Esses espaços são locais de amenidade climática em espaços abertos, de transição e em edificações, sejam elas públicas, privadas ou privadas, com acesso público permitido, distribuídos pelo tecido urbano e preparados para oferecer um refúgio durante os períodos extremos de calor. Além da cobertura vegetal no solo e arbórea, esta última essencial para a provisão de áreas sombreadas, esses espaços devem oferecer outros elementos essenciais para o enfrentamento das altas temperaturas, como fontes de água potável, além de água para a promoção de resfriamento evaporativo.

Essas estratégias são comuns em cidades como Paris e Barcelona. Em Paris, o bem-sucedido programa Oasis transforma áreas comuns abertas das escolas em espaços de resfriamento, distribuídos por toda a cidade. Em Barcelona, mais de 200 refúgios climáticos estão espalhados na cidade em forma de praças, parques e áreas livres em meio aos quarteirões, e servem como um exemplo emblemático de que esses espaços emergentes estão atendendo às necessidades, expectativas e experiências cotidianas dos moradores mais vulneráveis.

Mesmo em um país desenvolvido como a Espanha, em Barcelona, a inadequação habitacional e a pobreza energética experimentadas por residentes de baixa renda e originários de países do Sul Global os tornaram os mais afetados e menos capazes de lidar com temperaturas extremas. Esse contexto demanda infraestruturas de refúgio que atendam às necessidades sociais e climáticas dos residentes que mais precisam delas. A distribuição espacial no território é particularmente desafiadora em bairros densamente ocupados, ao exigir abordagens mais criativas e engenhosas que podem envolver a utilização de espaços existentes de propriedade privada ou operados pela comunidade como centros comunitários, centros esportivos, escolas, estabelecimentos de alimentos e bebidas e hortas urbanas locais. Além disso, o bairro poderia se beneficiar de iniciativas de urbanismo tático em espaços públicos mais limitados.[19]

Dentre os países em desenvolvimento destaca-se o pioneirismo de Ahmedabad, Índia, que lançou, ainda em 2013 (última atualização em 2019), o primeiro plano na escala municipal no sul asiático voltado à adaptação ao calor extremo, que traz medidas condizentes com o contexto ambiental, cultural e socioeconômico local. As medidas incluem ativar locais de resfriamento em templos religiosos, edifícios públicos, shoppings e abrigos noturnos temporários para aqueles sem acesso à água e/ou eletricidade, alertas em diferentes meios de comunicação populares, pausas para trabalhadores ao ar livre e salas dedicadas ao atendimento de insolação em hospitais.[20]

Na América Latina, Buenos Aires dispõe de uma rede de 64 refúgios climáticos, a maioria deles em espaços públicos, abertos ou fechados, com ou sem condicionamento artificial.[21] A localização dos refúgios e dos pontos de água potável é disponibilizada nas páginas da administração pública e no Google Maps, com uma descrição da infraestrutura existente.[22]

As oportunidades de adaptação precisam estar onde as pessoas estão. Para além de locais prioritários como escolas, espaços esportivos e de lazer e centros comunitários, a adaptação é necessária para aqueles que se deslocam durante horas entre casa e trabalho, e que tem a saúde agravada pelo calor extremo na sua jornada, para além da inadequação da moradia ou do próprio trabalho formal, ou informal a céu aberto, e que vivenciam uma sobreposição de riscos na sua vida diária.

 

“Uma vez melhoradas as condições socioeconômicas, a vulnerabilidade e a exposição serão reduzidas e, por conseguinte, a sua capacidade adaptativa será melhorada.”

 

É imprescindível prover espaços de resfriamento para aqueles que utilizam o transporte público e a mobilidade ativa e estão suscetíveis às altas temperaturas, a começar pela disponibilidade de fontes de água potável, locais de descanso e sombra de qualidade nos terminais, nos pontos de transporte, nas ciclovias e caminhos para pedestres. Refúgios mais estruturados e com maior capacidade podem estar justamente nos terminais de transporte, com medidas de suporte para adaptação ao calor, incluindo atendimento de saúde, durante as ondas de calor. Aplicativos para telefonia móvel podem auxiliar com o georreferenciamento dos espaços de resfriamento e pontos de água potável, além das rotas e da disponibilidade dos meios de transporte público para se chegar até lá, serviço este que é gratuito, em muitas localidades, durante as ondas de calor.

 

Considerações finais

As ações locais para adaptação ao calor em curso podem ser potencializadas com a adoção de medidas estruturantes, para além de ações emergenciais, como a Operação Altas Temperaturas da Prefeitura Municipal de São Paulo, que não se alinha a outras questões ambientais e que não atende à escala do problema. Nesse sentido, o mapa de risco ao calor [14] pode contribuir para a revisão do PlanClimaSP em curso em 2025, agregando outros parâmetros, especialmente aqueles que são passíveis de regulação urbanística (como morfologia urbana e infraestrutura verde) e devem ser incorporados pelo marco regulatório urbano. Também pode orientar o desenvolvimento de medidas de adaptação conforme o grau de risco em toda a cidade ou mesmo a implementação da rede de oásis urbanos aqui proposta.

Essas são ações de planejamento e de desenho urbano que podem ser incluídas nos planos de ação climática, idealmente acompanhadas de monitoramento microclimático, de avaliação da eficácia dessas medidas ao longo do tempo para conforto e saúde, de dados do fluxo de usuários nos pontos de atendimento, nos parques, praças e rotas de mobilidade ativa, levando as oportunidades de adaptação para onde as pessoas mais expostas ao risco estão.

 

Agradecimentos

“Esse trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processos n° 2021/04751-7, 2023/03279-8, 2022/08401-3, 2021/11762-5 e 2020/06694-8, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo n° 312592/2021–3, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), processo n° 88881.688962/2022-01.”


Capa. Áreas verdes nas cidades são um refúgio contra as ondas de calor e uma proteção à saúde das populações
(Foto: Divulgação)
Ciência & Cultura © 2022 by SBPC is licensed under CC BY-SA 4.0  
[1] United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division – UN/DESA. World Urbanization Prospects 2018: Highlights (ST/ESA/SER.A/421). 2019.
[2] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Principais Resultados. Censo Demográfico, 2025. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/22827-censo-demografico-2022.html?=&t=destaques
[3] COPERNICUS. News, 2025. Disponível em: https://climate.copernicus.eu/
[4] Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Ano de 2024 é o mais quente no Brasil desde 1961, 2025. Disponível em: https://portal.inmet.gov.br/noticias/2024-%C3%A9-o-ano-mais-quente-da-s%C3%A9rie-hist%C3%B3rica-no-brasil#:~:text=Em%202024%2C%20a%20m%C3%A9dia%20das,anos%20mais%20quentes%20no%20Pa%C3%ADs
[5] IAG/USP, 2025. Boletim Climatológico Anual da Estação Meteorológica do IAG/USP – 2024. São Paulo, 2025, 36. Disponível em: https://estacao.iag.usp.br/Boletins/2024.pdf
[6] VAUTARD et al. Heat extremes linearly shift with global warming, with frequency doubling per decade since 1979. Environ. Res. Lett., v. 19, 094033, 2024.
[7] PIVETTA, MARCOS. Variações de temperaturas podem provocar 5 milhões de mortes por ano. Revista FAPESP, 2023.
[8] MONTEIRO DOS SANTOS et al. Twenty-first-century demographic and social inequalities of heat-related deaths in Brazilian urban areas. PLoS One, v. 19, n. 1, e0295766, 2024.
[9] TAVARES et al. A global (South) collective burden: A systematic review of the current state of climate-related hazards in informal settlements. International Journal of Disaster Risk Reduction, v. 114, 104940, 2024.
[10] SOUZA, BRUNA. Oásis urbanos para a adaptação às mudanças climáticas: O desafio das cidades no enfrentamento às ondas de calor. 2024. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design, Universidade de São Paulo, São Paulo,2024. doi: http://dx.doi.org/10.13140/RG.2.2.31395.26403. Acesso em: 2025-08-19.
[11] CARDONA et al. Determinants of risk: exposure and vulnerability. In FIELD et al. (Eds.), Managing the Risks of Extreme Events and Disasters to Advance Climate Change Adaptation (pp. 65–108). Cambridge University Press: Cambridge e New York, 2012.
[12] REISINGER et al. The Concept of Risk in the IPCC Sixth Assessment Report: A Summary of Cross-Working Group Discussions, p. 15, 2020.
[13] NAYAK et al. Development of a heat vulnerability index for New York State. Public Health, v. 161, p. 127–137, 2018.
[14] MUÑOZ, Luiza Sobhie; DUARTE, Denise Helena Silva; EMMANUEL, Rohinton. Heat risk in the city of São Paulo: Interactions between SUHI and social inequality. Urban Climate, v. 63, 102568, 2025.
[15] TOMASIELLO, Diego Bogado; GIANOTTI, Mariana. Unfolding time, race and class inequalities to access leisure. Environ. Plann. B: Urban Anal. City Sci., v. 50, n. 4, p. 927–941, 2023.
[16] SIQUEIRA-GAY, Juliana; GIANOTTI, Mariana; SESTER, Monika. Learning about spatial inequalities: capturing the heterogeneity in the urban environment. J. Clean. Prod., v. 237, 117732, 2019.
[17] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades e Estados, 2025. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/sp/sao-paulo.html
[18] MUÑOZ, Luiza Sobhie; DUARTE, Denise Helena Silva. Green infrastructure as a planning tool: A comprehensive systematization of urban redesign strategies to increase vegetation within public places. Cities, v. 156, 105551, 2025.
[19] AMORIM-MAIA et al. Seeking refuge? The potential of urban climate shelters to address intersecting vulnerabilities. Landscape and Urban Planning, v. 238, 104836, 2023.
[20] AHMEDABAD MUNICIPAL CORPORATION. Ahmedabad Action Plan: Guide to extreme heat planning in Ahmedabad, India. 2019. Disponível em: https://www.nrdc.org/sites/default/files/ahmedabad-heat-action-plan-2019-update.pdf
[21] BUENOS AIRES CIUDAD. La Red de Refugios Climáticos está en las 15 comunas para descansar de las altas temperaturas, 2025. Disponível em: https://buenosaires.gob.ar/noticias/la-red-de-refugios-climaticos-esta-en-las-15-comunas-para-descansar-de-las-altas
[22] SECRETARIA MUNICIPAL DO VERDE E DO MEIO AMBIENTE; UNIÃO DAS CIDADES CAPITAIS IBERO-AMERICANAS. Mudanças climáticas e calor nas cidades: experiências de Bogotá, Buenos Aires, Lisboa e São Paulo São Paulo: [s.n.], 2024. 95 p.
Denise Duarte é professora Titular na FAUUSP, atualmente Presidente da Comissão de Pós-Graduação. Desenvolve pesquisas para a adaptação à mudança do clima em cidades e edifícios.
Luíza Sobhie Muñoz é Arquiteta e Urbanista, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, bolsista FAPESP

Compartilhe:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
PALAVRAS-CHAVE
ARQUIVO MENSAL
CATEGORIAS