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A arte de preservar a arte: a ciência por trás da conservação de obras-primas

Como química, física, biotecnologia e inteligência artificial estão transformando a conservação e restauração de obras-primas em todo o mundo

 

Ao passear por museus, galerias ou centros culturais, o público geralmente se encanta com a beleza das obras de arte. Poucos, no entanto, imaginam a complexa engrenagem científica que garante que essas obras permaneçam acessíveis por décadas ou séculos. Por trás das pinturas, esculturas, murais e artefatos históricos, existe um sofisticado conjunto de saberes que une história da arte, química, física, biologia e tecnologia de ponta. A conservação e o restauro de obras artísticas deixaram há muito de ser apenas uma prática empírica: trata-se, hoje, de um campo altamente especializado da ciência.

Medidas como controle de temperatura, umidade relativa e iluminação são apenas os primeiros passos para evitar a degradação de vernizes, pigmentos e substratos. Em ambientes mal regulados, por exemplo, esculturas de bronze podem oxidar rapidamente, enquanto pinturas antigas podem escurecer ou descascar. Ainda assim, nem sempre as ações preventivas são suficientes. Algumas obras demandam intervenções mais profundas, como remoção de vernizes deteriorados ou reintegração de pigmentos, sempre com o cuidado de manter a integridade da obra original.

 

“A conservação e o restauro de obras artísticas deixaram há muito de ser apenas uma prática empírica: trata-se, hoje, de um campo altamente especializado da ciência.”

 

A história do restauro é longa e, por vezes, conturbada. No século XIX, por exemplo, não era incomum o uso de cinzas e água para “limpar” quadros, resultando em danos irreversíveis. O campo começou a se profissionalizar entre 1925 e 1975, quando museus passaram a ter laboratórios próprios, e pesquisadores como Rutherford Gettens e George Stout uniram arte e ciência. A criação de instituições como o International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works (IIC) e o American Institute for Conservation (AIC) impulsionou ainda mais a formação de profissionais e a sistematização de técnicas.

Hoje, a restauração de uma pintura envolve exames com raios-X, infravermelho e espectroscopia. O objetivo é entender as camadas do quadro, identificar pigmentos e vernizes, e encontrar a solução menos invasiva para o reparo. Equipamentos modernos conseguem detectar desenhos originais ocultos sob camadas de tinta ou revelar se alguma modificação foi feita após a morte do artista. É o caso de “Moça lendo uma carta à janela”, de Johannes Vermeer, na qual conservadores encontraram, em 2017, um cupido oculto que havia sido coberto por outra mão. (Figura 1)

 

 

“Moça lendo uma carta à janela”, de Johannes Vermeer(Reprodução)

 

Em alguns casos, a ciência vai além das ferramentas: em 2020, pesquisadores italianos usaram bactérias vivas para remover manchas antigas em esculturas de Michelangelo, no Museu Nacional de Bargello. O uso da Serratia ficaria SH7 permitiu recuperar o brilho original do mármore de Carrara sem agredir a superfície.

As técnicas de restauração também são discutidas à luz da ética: até onde restaurar uma obra sem alterar sua história? No Rijksmuseum, em Amsterdã, pesquisadores usaram inteligência artificial para recriar digitalmente partes perdidas de “A Ronda Noturna”, de Rembrandt, baseando-se em uma cópia da obra original. O desafio agora é decidir se removerão camadas de verniz e repinturas acumuladas ao longo de três séculos ou se manterão a pintura como resultado de sua longa história. (Figura 2)


Figura 2. “A Ronda Noturna”, de Rembrandt
(Reprodução)

 

Aqui no Brasil

O Brasil também avança no campo da conservação. No Museu de Arte de São Paulo (Masp), três retratos de Frans Hals, mestre holandês do século XVII, estão passando por um processo de restauro e pesquisa iniciado há mais de dois anos. Os estudos revelaram aspectos técnicos e pistas sobre a identidade dos retratados, mostrando como a conservação também pode ser uma porta para a investigação histórica.

 

“Combinando química, biologia, engenharias e história da arte, a ciência da conservação continua a evoluir, com apoio de recursos como nanotecnologia, IA e novos materiais.”

 

Combinando química, biologia, engenharias e história da arte, a ciência da conservação continua a evoluir, com apoio de recursos como nanotecnologia, IA e novos materiais. Mais do que preservar objetos, o objetivo é garantir que as obras continuem nos provocando, encantando e ensinando por muitas gerações. Afinal, como lembra a curadora Hannelore Roemich, da Universidade de Nova York, “não há mais fronteiras entre o cientista e o conservador: eles trabalham lado a lado, olhando juntos para a mesma obra”.

 

Capa: Lenoir Taborda/MASP. Reprodução
Blog Ciencia e Cultura

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