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Raízes urbanas: hortas como laboratórios vivos de ciência cidadã, educação ambiental e justiça social

As hortas urbanas florescem como espaços de produção de conhecimento, transformação coletiva e cidadania ativa.

 

Nas grandes cidades brasileiras, entre o concreto e a desigualdade, germina uma silenciosa revolução verde. São iniciativas que, à primeira vista, parecem simples: um canteiro ao lado da escola, um telhado cultivado, um quintal compartilhado. Mas esses espaços estão se tornando muito mais do que locais de plantio. São verdadeiros laboratórios a céu aberto, onde práticas de agricultura urbana se entrelaçam com ciência cidadã, sustentabilidade, saúde pública e educação infantil.

O movimento das hortas urbanas, impulsionado por comunidades, ONGs, universidades e políticas públicas, revela um fenômeno crescente: a transformação de espaços ociosos em centros de saberes compartilhados e resistência socioambiental.

O caso Heliópolis: ciência com raízes no território

Em São Paulo, o projeto “Promoção de segurança, soberania e sustentabilidade alimentar em comunidades urbanas”, realizado pelo Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper em parceria com o WWF-Brasil, mostra como uma abordagem científica aliada ao envolvimento local pode gerar impacto profundo. (Figura 1)


Figura 1. Projeto “Promoção de segurança, soberania e sustentabilidade alimentar em comunidades urbanas”, realizado pelo Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper em parceria com o WWF-Brasil
(Foto: Samantha Orui/ WWF Brasil. Reprodução)

 

A partir de dados do Geosampa, literatura científica e escuta ativa das lideranças comunitárias, nasceu a horta do CEI Margarida Maria Alves. O projeto foi além do plantio: envolveu engenheiros, nutricionistas, pedagogos e urbanistas, integrando conhecimentos acadêmicos e saberes populares. As crianças participaram de todo o ciclo — do cultivo à compostagem — e com isso aprenderam não apenas sobre alimentação saudável, mas também sobre ecologia, autonomia e pertencimento.

Mais que uma horta, nasceu um ecossistema educativo e replicável. A experiência se espalhou para outras escolas e fortaleceu vínculos com o Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (Pavs), mostrando o potencial de articulação entre ciência cidadã e políticas públicas. (Figura 2)


Figura 2. Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (Pavs)
(Foto: SPDM. Reprodução)

 

Infância, cidadania e o direito à cidade

Em Recife, a dissertação da pesquisadora Ana Clara Lira do Nascimento (UFPE) reforça outro ponto essencial: a horta como ferramenta de cidadania infantil. No Telhado Eco Produtivo da ONG Comunidade dos Pequenos Profetas, as crianças não só plantam e colhem, mas desenvolvem senso crítico, interagem com diferentes gerações e experimentam formas de participação urbana que normalmente lhes são negadas.

 

“Através de mutirões e ações coletivas, participantes de hortas comunitárias desenvolvem senso de solidariedade, ampliam sua “potência de agir” e se aproximam de formas mais diretas de participação democrática.”

 

Com base em conceitos como “affordance”, experiência e intergeracionalidade, o estudo mostra como hortas urbanas podem resgatar o direito das crianças à cidade — um direito frequentemente sufocado pela lógica mercantil do urbanismo e pela escassez de áreas verdes em periferias urbanas.

Ciência, política e ativismo nas hortas comunitárias

Mas o impacto das hortas urbanas não se restringe às escolas ou à infância. Um estudo da USP (publicado na Ambiente & Sociedade) revela que essas iniciativas também funcionam como motores de engajamento político. Através de mutirões e ações coletivas, participantes de hortas comunitárias desenvolvem senso de solidariedade, ampliam sua “potência de agir” e se aproximam de formas mais diretas de participação democrática.

Apesar de enfrentarem limitações — como a falta de reconhecimento institucional e apoio contínuo — as hortas representam uma pedagogia do cotidiano que transforma tanto o espaço quanto seus agentes.

Políticas públicas e novos horizontes

O reconhecimento da agricultura urbana como política pública é recente, mas promissor. A criação da Política Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, em 2024, representa um avanço importante ao institucionalizar o apoio técnico e financeiro a iniciativas espalhadas por todo o país.

 

“As hortas urbanas são mais do que soluções locais para problemas estruturais. Elas são símbolos vivos de resistência, colaboração e reinvenção das cidades.”

 

Um exemplo é o projeto da Fiocruz em parceria com o MDA e a RUCA no Espírito Santo, que fortalece hortas e quintais produtivos em territórios urbanos e periurbanos. Nessas experiências, hortas se combinam com práticas de saúde, cultura, educação ambiental e até mesmo segurança alimentar, mostrando seu caráter transversal e estratégico para um desenvolvimento mais justo.

O futuro cultivado em comunidade

As hortas urbanas são mais do que soluções locais para problemas estruturais. Elas são símbolos vivos de resistência, colaboração e reinvenção das cidades. Ao unirem ciência acadêmica e ciência cidadã, oferecem respostas concretas a desafios urgentes — como a insegurança alimentar, a crise climática e a exclusão urbana — e plantam, literalmente, as sementes de uma sociedade mais solidária.

O que antes era visto como hobby ou ativismo de nicho, agora se afirma como campo fértil para políticas públicas, pesquisas interdisciplinares e práticas educativas transformadoras. Afinal, uma horta pode não salvar o mundo — mas pode mudar, profundamente, o mundo de quem planta.

 

Capa. Hortas urbanas podem resgatar o direito à cidade, frequentemente sufocado pela lógica mercantil do urbanismo e pela escassez de áreas verdes em periferias urbanas.
(Foto: ASG/Far. Reprodução)
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