“Reparar” a memória escravagista no país. Este é o objetivo do fundo de U$ 100 milhões criado pela universidade Harvard, que vai financiar projetos de pesquisa, educação e memória sobre o racismo e a escravidão dos séculos 17 ao 19 nos Estados Unidos. O anúncio foi feito nesta terça-feira (26) em uma carta publicada pelo presidente da universidade, Lawrence Bacow, dirigida aos estudantes, professores e empregados da instituição.
A decisão foi anunciada após a publicação de um relatório do comitê da universidade que apontou que a mais antiga instituição de ensino superior dos Estados Unidos se beneficiou diretamente da exploração racial, mantendo trabalho escravo no campus, lucrando com o comércio escravagista e corroborando teses eugenistas.
O documento propôs recomendações para “reparar” financeiramente a exploração de gerações de milhões de pessoas deportadas à força da África e da Europa para a América. O relatório também recomendou o financiamento de programas de verão para levar à Harvard alunos e professores de outras instituições de ensino que possuem baixo financiamento, além de intercâmbio com membros das chamadas Faculdades e Universidades Historicamente Negras (HBCU), associação que atende principalmente à comunidade negra.
Segundo o relatório, a universidade, fundada em 1636 e uma das mais importantes do mundo, deve imensa parte de sua fortuna ao trabalho escravo. O presidente da universidade reconheceu que a instituição tem uma “responsabilidade moral” ao financiar projetos de pesquisa que vão ajudar a amenizar os efeitos sociais e pessoais nocivos desencadeados por tais práticas.
Reparação
O documento mostra, por exemplo, que até o século 20 os presidentes e professores da universidade ensinavam e promoviam teorias raciais como o eugenismo, prática que defendeu o “aperfeiçoamento” da raça humana por seleção genética. Em Harvard, nos séculos 17 e 18, vários membros e presidentes escravizaram mais de 70 pessoas, até a prática ser considerada ilegal em Massachusetts, em 1783. A escravidão nos Estados Unidos foi oficialmente abolida pela 13.ª emenda constitucional, em dezembro de 1865.
A iniciativa integra um movimento de reconhecimento e reparação da escravidão no país, que ganhou força no meio universitário nos últimos anos. Além de Harvard, outras instituições adotaram iniciativas similares para saldar sua dívida histórica relacionada à escravidão. No ano passado, os líderes da conferência dos padres jesuítas defenderam a destinação de US$ 100 milhões para indenizações dos descendentes dos escravos que foram de propriedade da ordem religiosa. Em 2019, estudantes da Universidade de Georgetown aprovaram um fundo para beneficiar descendentes de escravos vendidos pela escola jesuíta de elite no século XIX. As universidades Brown e Columbia também reconheceram ter participado do comércio de escravos.
* Com informações da RFI e AFP