Jorge Marcgrave nasceu na pequena Liebstadt, ao sul de Dresden, quase na fronteira com a atual República Tcheca. Vítima da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), saiu da casa paterna com 17 anos tendo aprendido latim, grego, música e desenho, para ganhar o mundo. Peregrinando pela atual Alemanha e alguns países vizinhos do sul, aprendeu Medicina, Botânica e, na área de Astronomia, Cartografia Celeste, cálculo de efemérides, construção de instrumentos e prática observacional frequentando várias universidades sendo a última, a Universidade de Leiden na Holanda, vindo depois ao Brasil.
O fato a ser destacado aqui é que Marcgrave, tendo permanecido apenas cinco anos no Brasil (1638-1643), realizou atividades astronômicas relevantes, tais como, a construção do primeiro observatório moderno, abrigando instrumentos com padrão de qualidade e precisão recentemente inovados pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), com os quais fez observações sistemáticas de estrelas fixas (o céu austral ainda era mal conhecido), planetas (especialmente Mercúrio, cuja órbita era mal determinada, porém, o céu tropical do Recife favorecia a sua observação), um eclipse total do Sol e todos os eclipse lunares totais que fossem visíveis de onde ele estivesse. Suas observações astronômicas foram registradas e seus manuscritos puderam ser recentemente analisados em detalhe para, por exemplo, se estimar a precisão das observações, reconstituir digitalmente os instrumentos e a edificação do observatório, pois foram deixados desenhos e medidas. Os resultados dessa pesquisa histórica foram apresentados em [1] e também está disponível como livro eletrônico.[2] Para a época, o observatório e as observações eram de ponta, de modo que o Brasil detém essa primazia no Novo Mundo. Infelizmente, naquele estágio de colonização esse evento não teve o mínimo enraizamento no Brasil. Não houve sequer um assistente noturno de observação que auxiliasse Marcgrave e, assim, se iniciasse na Astronomia. O Brasil operou como mera plataforma de observação do céu austral, assim como foi para a observação da flora, fauna, nativos e geografia na qual Marcgrave também se ocupou. As atividades astronômicas de Marcgrave ficaram assim, isoladas num parêntese histórico sem consequência.
Impressiona também o fato de que a produção astronômica de Marcgrave no Brasil foi a parte menor de sua produção científica, proporcional ao tempo que pôde dedicar, embora ele tivesse se empenhado junto à CIO para vir ao Brasil pelo seu ardente desejo de contemplar o céu austral. Estando a serviço de Nassau, este definia as prioridades das atividades de Marcgrave. Sua produção bibliográfica maior foi em História Natural e cartografia. Em História Natural não só foi maior e fartamente ilustrada, como também relevante, pois ficou como obra única no gênero até a vinda dos primeiros naturalistas que visitaram o Brasil no século 19. O pai da taxonomia moderna, Carlos Lineu (1707-1778) se valeu das descrições de Marcgrave, e as elogiou entusiasticamente, para classificar as plantas e animais do Brasil.
Certamente Marcgrave pretendia elaborar uma obra astronômica baseada nas observações que ele fez no Brasil. Os manuscritos insinuam que seria a contrapartida austral de “Astronomiae instauratae progymnasmata” (Introdução à Nova Astronomia) de 1603 de Tycho Brahe, pois se intitularia “Progymnastica Mathematica Americana”. Em sua viagem de volta para a Holanda, que faria com Nassau em 1644, ele portava dentre outras coisas, as suas anotações. Uma cópia delas foi felizmente preservada na biblioteca do Observatório de Paris, que possibilitou a análise detalhada das atividades astronômicas aqui relatadas. Porém, na última hora do embarque para voltar à Holanda, foi solicitado a Marcgrave que realizasse um trabalho cartográfico em Luanda (Angola), então em poder dos holandeses. Lá ele contraiu febre, da qual acabou morrendo precocemente, sem completar o seu projeto astronômico.