Posse do rio Amazonas (1637-1639)

Já em 1614 Pedro Teixeira tinha participado da expulsão dos franceses do Maranhão. Ajudou Castello Branco a construir o Forte do Presépio em Belém, em 1616. No Baixo Amazonas, atacando navios e feitorias, em 1625 expulsou os holandeses da foz do Xingu no Amazonas e em 1646 no Maicará, atual Amapá, tomou o último reduto holandês no Amazonas. Então os holandeses se instalaram mais ao norte, na Guiana. A Companhia das Índias Ocidentais sonhou retomar o rio Amazonas para os seus negócios, mas não teve sucesso.

Teixeira perseguiu também os ingleses em várias localidades da foz do Amazonas junto ao Amapá, que durou anos. Um forte construído pelos ingleses foi o Comaú (1631-1632) em Torrego (ou Tauregue), na confluência do rio de mesmo nome com a margem esquerda do Amazonas (atual Macapá). Atacados pelos portugueses, os ingleses acabaram ficando sem contacto com os indígenas seus aliados, para negociar. E assim acabaram deixando a região. Sobre as ruínas do forte de Comaú os portugueses construíram a Fortaleza de Santo Antônio de Macapá em 1697. Esta também estando arruinada por volta de 1700 deu lugar à Fortaleza de São José do Macapá, até hoje bem conservada na área urbana dessa capital.

Pedro Teixeira já tinha, portanto, um respeitável currículo de importantes ações na ocupação do Amazonas.

Em 1637, dois frades franciscanos espanhois acompanhados por seis soldados espanhois (exceto um que era português), chegaram inopinadamente numa canoa a Gurupá, um vilarejo do Pará, na foz do Amazonas a uns 180 km de Macapá. Esses forasteiros faziam parte de uma missão franciscana de Quito. Guiados por um capitão voluntário, estavam entre os índios los encabellados, que mencionaremos adiante na incursão de Pedro Teixeira. Esses índios se rebelaram contra os missionários e o capitão foi morto. Sem o guia, parte da missão preferiu nem tentar voltar para Quito e descer pelo Amazonas, pois já tinham ouvido do sucesso de Orellana. Foi assim que a canoa chegou a Gurupá, depois seguiu para Belém e São Luís,[1] capital do Estado do Maranhão e Grão-Pará.

Esta visita inesperada suscitou grande preocupação ao administrador colonial português Jácome Raimundo de Noronha que, então, era o Governador do Estado. A preocupação era séria, pois o governador estava empenhado na posse do território pela ocupação. A chegada dos forasteiros significava que os espanhois poderiam realizar a ocupação antes dos portugueses. Imediatamente ele tomou as providências para organizar e enviar uma expedição pelo rio Amazonas em direção a Quito. Essa expedição tinha a tarefa de implantar fortificações em locais estratégicos, ganhar a confiança e amizade dos indígenas e estabelecer um núcleo para demarcar território sob controle português.

No mesmo ano da chegada da canoa (1637), uma frota partiu de Cametá, no lado oriental do Marajó. Eram 47 canoas grandes, 70 soldados, 1.200 nativos, alguns religiosos e um dos frades que viera seguiu como guia. O chefe da expedição foi Pedro Teixeira. Em janeiro de 1638 a expedição ingressou no rio Negro (altura de Manaus) e seguindo depois por vários afluentes menores, chegou a Quito em setembro desse mesmo ano.

Na viagem de volta, em uma das margens do rio Napo, na confluência com um rio que atualmente estabelece fronteira entre o Peru e o Equador, após combater e derrotar os índios los encabellados que tinham destruído boa parte de suas canoas, Teixeira fundou o povoado de Franciscana, que deveria balizar a fronteira entre os domínios das duas coroas, espanhola e portuguesa. O nome Franciscana foi em homenagem a dois frades franciscanos mortos nessa batalha. Pedro Teixeira declarou que a leste de Franciscana, atual Equador, tudo era português. Os espanhois desistiriam da Amazônia e esses limites fixados por Teixeira ficaram mantidos.

Em 1639 Pedro Teixeira estava de volta em Belém. Estava aberto um acesso do Atlântico ao Peru. Foram percorridos os vales do Amazonas e seus afluentes. Nessa épica viagem, em nome dos reis da Espanha e de Portugal, Teixeira tomou posse dessa região para Portugal. Chamado depois o Conquistador do Amazonas, Pedro Teixeira se tornou o primeiro europeu a viajar toda a extensão do rio Amazonas, até o Peru, nos dois sentidos.

A viagem teve vários relatos. Um deles,[2] com abundantes detalhes, foi do jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña (1597-1670), designado para acompanhar Pedro Teixeira na viagem de volta, de Quito a Belém.[3] Por ordem de Felipe IV da Espanha esta obra foi recolhida e destruída para manter em segredo a riqueza das minas peruanas, mas foi usada por Portugal na reivindicação da posse da Amazônia.

Após essa viagem, nomeado pelo governador do Estado do Maranhão, Pedro Teixeira[4] tomou posse do governo da capitania do Grão-Pará que governou até 1641, quando morreu.


Notas
[1] Southey, Robert, History of Brazil, Part 1, 581, London, Longman, Hurst, Rees, and Orme, 1810.
https://books.google.com.br/books?id=tNMTAAAAYAAJ&pg=PA581&lpg=PA581&dq=where+Franciscan+friars+de+Toledo+and+de+La+Brieba+mission?&source=bl&ots=hpeJqlebnf&sig=ACfU3U1kOiGIULmr_CK-JTsAJ98D3E-O9g&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwigpoeS9LH3AhXQuJUCHUedBRcQ6AF6BAg9EAM#v=onepage&q=where%20Franciscan%20friars%20de%20Toledo%20and%20de%20La%20Brieba%20mission%3F&f=false
[2] Nuevo descubrimento del Gran Río de las Amazonas, Madri, Imprenta del Reyno, 1641.
https://archive.org/details/nuevodescubrimie00acua/page/n21/mode/2up?ref=ol&view=theater
Há uma tradução para o português em Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri, Sérgio Eduardo Moreira Lima e Maria do Carmo Strozzi Coutinho (Orgs.), 2ª edição ampliada, 175-270, Brasília, FUNAG, 2016.
http://www.biblioteca.itamaraty.gov.br/novos-livros/2010-lingua-portuguesa/pedro-teixeira-a-amazonia-e-o-tratado-de-madri/image_view_fullscreen
[3] Cortesão, Jaime, A cartografia amazônica durante o século XVII, Terra Brasilis (Nova Série), 14, 1-17, 2020, https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.6994. A Figura 14, disponível na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é um mapa do rio Amazonas baseado no relato de Acuña.
[4] Cortesão, Jaime, A cartografia amazônica durante o século XVII, Terra Brasilis (Nova Série), 14, 1-17, 2020, https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.6994. A Figura 7, disponível na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é um mapa da região amazônica de autoria de Bento da Costa e Pedro Teixeira.
Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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