Rotas oficiais de transporte do ouro e ilegalidades

A política do pacto colonial que vigorou na América espanhola colonial (assim como na América portuguesa), definiu rotas específicas do transporte do ouro americano para Sevilha, único porto autorizado para a recepção dessa mercadoria na Europa. Quase na totalidade, as possíveis rotas marítimas eram pelo Atlântico. Os portos autorizados ao envio na América eram Veracruz, no Golfo do México; Porto Belo no istmo do Panamá, já no lado do Caribe e Cartagena, na Colômbia. O escoamento do ouro pelo Pacífico era possível, mas tinha o inconveniente da distância maior. O caminho fluvial ou terrestre pelo rio da Prata ou pelo Peaberu eram, portanto, ilegais e seu uso era clandestino.

Apesar da ilegalidade (e certamente por causa dela), já desde o início da União Ibérica a rota da prata de Potosí pelo rio da Prata era atraente para os brasileiros e luso-brasileiros, assim como para os comerciantes espanhois de Buenos Aires. Criavam-se laços de interesses comerciais e de cumplicidade entre súditos de diferentes coroas. Da parte da coroa, a tarefa de coibir o contrabando constituía um esforço árduo e quase inútil, sobretudo entre os espanhois que comerciavam metais preciosos.[1]

O Caminho do Peaberu era uma rede transoceânica de trilhas pré-coloniais, ligando o Atlântico ao Pacífico: do lado do Pacífico, Potosí na Bolívia ou Cusco no Peru e, do lado do Atlântico, a ilha de Santa Catarina ou São Vicente (SP). Essa eficiente rota terrestre teria sido usada pelos colonizadores espanhois nos séculos 16 e 17 para o transporte intensivo da prata pela Carrera de Indias, de Potosi até Sevilha.[2] Tomando precauções contra a pirataria e o corso na caminhada terrestre, essa via oferecia vantagens sobre outras rotas alternativas pelo rio da Prata, ou atravessando o istmo do Panamá ou o Estreito de Magalhães, ou navegando de Arica pelo Pacífico. Ao final do século 17 as minas já estavam esgotadas, sobretudo pela amálgama rápida da prata com o mercúrio, também encontrado nas proximidades. Mas, durante a União Ibérica, uma rota terrestre entrelaçada com a ligação fluvial pelos rios Tietê e Paraná formou o camino proibido de San Pablo que, não obstante, foi usado pelos peruleros (peruanos que praticavam contrabando) para estabelecer uma intensa conexão comercial luso-castelhana entre a Capitania de São Vicente e a Província do Paraguai.[3] Dizem que em 1637 peruleros peruanos e bolivianos teriam trazido ao Rio de Janeiro o culto a Nossa Senhora de Copacabana, que dá nome à famosa praia carioca.


Notas
[1] Stella, Roseli Santaella, O Domínio Espanhol no Brasil durante a Monarquia dos Felipes, 1580-1640, Editora Unibero, São Paulo, 2000.
[2] Deveza, Felipe, O caminho da prata de Potosi até Sevilha (séculos XVI e XVII), Navigator, 4, 79-87, 2006.
[3] Vilardaga, José Carlos, Na bagagem dos peruleros: mercadoria de contrabando e o caminho proibido de São Paulo ao Paraguai na primeira metade do século XVII, Anais do Museu Paulista, 25, 1, 127-147, 2017. https://www.scielo.br/j/anaismp/a/ymksfr69JxCYNdbLvHjFJnN/?format=pdf&lang=pt
Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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