Os astrônomos Sanches Dorta e Oliveira Barbosa no Brasil

O astrônomo português Bento Sanches Dorta (1739-1794) estudou Matemática na Universidade de Coimbra e foi sócio correspondente da recém-criada Academia Real das Ciências de Lisboa. Ele e Francisco de Oliveira Barbosa (1749-c.1806), nascido no Rio de Janeiro, também formado em Matemática pela Universidade de Coimbra, foram enviados em 1781 para o Brasil, sob a supervisão do nosso conhecido Miguel Ciera, lente da Faculdade de Matemática da recém reformada Universidade de Coimbra, para empreenderem uma missão para a demarcação dos limites na região sul do Brasil [1] nos termos do Tratado de Santo Ildefonso. Ciera já tinha iniciado esse projeto entre 1752 e 1756, mas seguindo os termos do Tratado de Madri.

Ao partirem de Lisboa, Dorta e Barbosa receberam uma coleção de instrumentos que a rainha adquiriu e mandou entregar. Eis a lista [2]: um quadrante, uma pêndula de meio segundo, dois óculos acromáticos com o pedestal e mais peças para observação dos satélites de Júpiter, uma agulha (magnética) grande azimutal com o seu pedestal mais peças anexas; duas agulhas pequenas, um instrumento circular de reflexão para observação de distâncias, um relógio de algibeira para indicar segundos; um estojo matemático completo e um sextante náutico para observar as alturas e distâncias angulares dos astros. Além disso, apetrechos para desenhos e reparo dos instrumentos.

Era para logo seguirem para o sul, no entanto permaneceram sete anos no Rio de Janeiro, onde instalaram os instrumentos que trouxeram nas ruínas da igreja do Colégio dos Jesuítas, no Morro do Castelo. Aí, como vimos, Capassi e Soares já tinham improvisado um observatório astronômico em 1730. Nesse observatório Dorta e Barbosa realizaram observações astronômicas, meteorológicas e magnéticas com exemplar assiduidade. Também determinaram a latitude e a longitude utilizando o método de observação dos satélites de Júpiter. Os satélites eram observados com um óculo (luneta) acromático de Dollon de 17 polegadas de foco. Para o controle da hora local era utilizada uma pêndula que era regulada diariamente por observações astronômicas. Nesse mesmo local se instalaria o Imperial Observatório do Rio de Janeiro entre 1846 e 1850, onde permaneceria até a mudança em 1922 para o Morro de São Januário, no bairro de São Cristóvão.

As observações magnéticas foram feitas assiduamente durante 7 anos e os dados foram recentemente analisados,[3] pois constituem uma rara série temporal que, embora de curta duração, representa um conjunto de medições obtidas em observatório estacionário. A maioria dos dados obtidos desde o século 16 foi obtida em embarcações cruzando oceanos. Também eram poucas as estações magnéticas na Europa naquela época.

Essas observações sistemáticas feitas com instrumentos de boa qualidade, constituíram o ponto alto da vinda desses astrônomos ao Brasil.

Após estes estudos no Rio de Janeiro, os dois seguiram para São Paulo em 1788, onde fizeram observações astronômicas e meteorológicas cujos resultados foram publicados nas Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Em São Paulo, Dorta também aplicou os conhecimentos químicos que aprendera em Coimbra, com o seu mestre Domingos Vandelli (1735-1816) e, durante nove anos analisou as virtudes das águas de riachos e fontes da cidade, sob ordens do Governador e Capitão de São Paulo, Bernardo José Maria Lorena e Silveira (1756-1818), o conde de Sarzedas. Esse conde fez construir a Calçada do Lorena na estrada velha de Santos. Outro trabalho em que Dorta se envolveu foi a elaboração de um relatório de observações astronômicas para facilitar a entrada de navios na baía de Santos. Dorta faleceu em São Paulo em 1794.

Barbosa determinou as coordenadas de Santos e de outras cidades litorâneas em 1790, fazendo também medições magnéticas; fez previsão de eclipses lunares para 1790, 1793 e 1794 visíveis de São Paulo, fez previsões para o trânsito de Mercurio (passagem desse planeta na frente do disco solar) de 5/11/1789.


Notas
[1] Sem autor, Matemáticos e Astrónomos da Reforma Pombalina, História da Ciência na UC, Universidade de Coimbra.
https://www.uc.pt/org/historia_ciencia_na_uc/Textos/brasileiros/matematicos
[2] Gesteira, Heloisa Meireles, Observações astronômicas e físicas no Rio de Janeiro setecentista (1781-1787), Boletim SBHC, 5, 2015.
https://www.sbhc.org.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=838
[3] Vaquero, J. M. and Trigo, R. M., Results of the Rio de Janeiro magnetic observations 1781–1788, Annales Geophysicae, 23, 1881–1887, 2005.
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://angeo.copernicus.org/articles/23/1881/2005/angeo-23-1881-2005.pdf
Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura

Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente tem se dedicado à História da Astronomia no Brasil.
Oscar T. Matsuura é docente aposentado do Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, onde liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar. Foi diretor do Planetário e Escola Municipal de Astrofísica Prof. Aristóteles Orsini em São Paulo e é pesquisador colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCTI). Ultimamente…
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