Criado pela SBPC, Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade vem mapeando ações contra instituições e profissionais em prol de uma ciência aberta e difusora do conhecimento
Criado em 2021, o Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade é uma iniciativa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em defesa da liberdade acadêmica. A chegada do movimento Escola Sem Partido, entre os anos de 2015 e 2016, encabeçou um movimento de ataque a docentes e pesquisadores, um cenário que foi intensificado durante o Governo Bolsonaro. Como consequência, pessoas e instituições vivem um momento delicado em que uma política autoritária vem ameaçando a difusão do conhecimento.
“O Escola Sem Partido tinha uma espécie de cartaz que orientava as crianças sobre o que podia ser dito ou não ser dito em sala de aula. Você imagina crianças e adolescentes fiscalizando professores e professoras, o que isso resultou, né? Então, a partir dessa época começa um processo violentíssimo de perseguição a professores, principalmente nas questões envolvendo gênero e orientação sexual. Você não sabia muito bem o que podia dizer em sala de aula, porque tudo podia ser interpretado como uma violação daqueles princípios”, explica a jurista Deborah Duprat, integrante do Observatório.
Apesar do Escola Sem Partido não ter avançado no nível federal, leis estaduais e municipais foram aprovadas com essa prerrogativa, o que fez o Supremo Tribunal Federal (STF) ter de intervir e declarar, por unanimidade, que todas essas leis eram inconstitucionais, baseado nos princípios de Liberdade de Cátedra, presente na Constituição Federal e que garante a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, e no pluralismo de ideias. Entretanto, os ataques aos docentes ganhariam mais força com o passar dos anos.
“Quando surge o Governo Bolsonaro, em 2019, esse movimento que já tinha vindo em relação aos professores da educação básica, vai aparecer muito forte contra professores universitários. O Governo Bolsonaro, assim que assumiu, seus primeiros atos foram dirigidos contra as universidades. No início, houve um contingenciamento da ordem de 30% no orçamento de todas as universidades federais e institutos federais, o que comprometia muito a sobrevivência financeira das próprias universidades”, complementa Duprat.
Outras medidas foram idealizadas para além do financiamento, como intervenções no comando das instituições federais e o cerceamento direto da liberdade das instituições produtoras de conhecimento, como o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a Biblioteca Nacional e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico):
“Espaços vocacionados à produção do conhecimento, de alguma maneira, foram neutralizados na sua capacidade de produzir conhecimento a partir da perseguição de servidores, do estrangulamento orçamentário e do desvirtuamento das funções administrativas. Por exemplo, o Ministério do Meio Ambiente já não cuidava mais da proteção do meio ambiente, o Ministério da Educação era contra as universidades, e assim por diante.”
58% dos educadores conhecem casos de pessoas que sofreram intervenções em pesquisas e aulas
Durante a 74ª Reunião Anual da SBPC, realizada entre os dias 24 a 30 de julho de 2022 na Universidade de Brasília (UnB), o Observatório lançou a pesquisa “A liberdade acadêmica está em risco no Brasil?”, uma iniciativa realizada em conjunto com o Observatório do Conhecimento e o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) e que contou com a participação de 1.116 professores e pesquisadores espalhados pelo País.
O objetivo da pesquisa foi investigar a percepção de docentes do ensino superior e de pesquisadores e estudantes da pós-graduação sobre violações e ameaças à liberdade acadêmica. Entre os cenários mais agravantes, 42% dos entrevistados alegaram que mudaram seus conteúdos a serem passados em salas de aula com medo de alguma retaliação ou represália, e 35% chegaram a mudar suas próprias pesquisas.
Além disso, 58% dos entrevistados alegaram conhecer pessoas que receberam diretamente interferências em suas aulas ou em suas pesquisas, e 43% consideram ruins ou péssimos os procedimentos das instituições para lidar com as denúncias de liberdade acadêmica. Confira o estudo completo neste link.
Alguns casos tiveram repercussão midiática e acadêmica, como o boicote realizado pelo Governo Federal à indicação de Deisy Ventura para compor o Comitê da Organização Mundial da Saúde (OMS). Professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O Ministério da Saúde, responsável pela decisão, não deu explicações, o que abriu margem para uma interpretação ideológica, já que Ventura foi crítica às decisões federais durante a pandemia de covid-19.
Recentemente, outro caso que ganhou força foi o da professora Maria Elisa Máximo, demitida da Faculdade IELUSC após apoiar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em suas redes sociais de cunho pessoal. Para a professora do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrante do Observatório, Maria Filomena Gregori, o combate à censura acadêmica só é possível trazendo estes casos à tona.
“A gente vai em muitas audiências públicas, fizemos uma série de articulações no Congresso Nacional, com as comissões de Ciência e Tecnologia e de Educação, para aproximar as associações científicas e as pessoas pela proteção da liberdade acadêmica. A gente faz um trabalho de natureza política, no sentido de articular para se defender. Se articula, se junta gente, gera conhecimento, para assim dizer que esse é um problema real”, conclui.