O que há de novo nas mudanças que estão acontecendo nas relações de trabalho afetadas pelas novas tecnologias?
“Existe um mito de que a tecnologia é neutra. Mas ela não é”. Com esta afirmativa, o sociólogo Ricardo Antunes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dá início ao Ciência & Cultura Cast sobre a relação das tecnologias com o trabalho. Antunes é referência no campo da sociologia do Trabalho no Brasil e no exterior, tema sobre o qual já publicou diversos livros, entre eles “Uberização, trabalho digital e indústria 4.0” (2020, Editora Boitempo) e o mais recente “Capitalismo pandêmico” (2022, Boitempo).
Também no debate, a psicóloga Marilene Zazula Beatriz, professora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), falou sobre sua área de interesse, que é o trabalho em organizações sob os princípios da Economia Solidária, além da tecnologia social e a psicologia social do trabalho. A professora trabalha com uma incubadora de economia solidária na universidade. “O empreendimento autogestionário é um exemplo maravilhoso de processo tecnológico. Mas não falo de alta complexidade de tecnologia.”
O cientista social Ricardo Colturato Festi, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), participou do bate-papo trazendo os dilemas da modernização no mundo do trabalho, tema de sua tese de doutorado. Ele é autor do livro “A fábrica sem patrão” (2021, Editora Lutas Anticapital) e membro do grupo de trabalho “Mundo do trabalho e suas metamorfoses”, da Unicamp, coordenado por Ricardo Antunes.
O que virá?
Antunes lembra que o trabalho humano sempre dependeu da tecnologia, desde a gênese humana. “A partir do século 18 há uma mudança no modo de vida de muita profundidade, e a tecnologia se torna um instrumento vigoroso para instauração e expansão do modo de produção nascente que era o modo de produção capitalista”. Segundo o pesquisador, no período “pré-moderno”, a tecnologia passa a ter um objetivo vital inquestionável: gerar mais riqueza. “Não estamos mais na era da hegemonia do capital industrial. Hoje é o capital financeiro, e ele é destrutivo. Ele trata o trabalho como um custo. O capitalismo do nosso tempo não consegue se reproduzir sem destruir.” Para Antunes, é inaceitável dizer que um trabalhador desempregado na informalidade virou empreendedor. “Agora estamos vivendo o capitalismo pandêmico.” O pesquisador faz a provocação: “A humanidade vai ter que decidir se quer sobreviver.”
Zazula Beatriz compartilhou o processo do empreendimento autogestionário, como os coletivos, as cooperativas populares, os clubes de troca, os bancos comunitários, que geram mais que riquezas monetárias, “geram troca de saberes, de conhecimento e de apropriação”. Sob esta perspectiva, diz, esta é uma tecnologia social inovadora. “Observamos este movimento na sociedade”, explica a professora. São pessoas que se juntam para criar suas próprias soluções, devido à falta de política pública. O trabalho é uma das questões. “Elas se juntam para gerar trabalho e renda para comunidade e para elas mesmas.”
Para Festi, nos últimos anos a tecnologia tem cumprido um papel destrutivo. A humanidade esperava que a automação diminuísse a carga de trabalho, mas isso não aconteceu, “tem havido aumento significativo das jornadas de trabalho, ou jornadas parciais, insuficientes para sua própria sobrevivência”. A revolução digital é o elemento novo. “A transformação tecnológica hoje atinge todas as esferas da economia, não está só na indústria como nos anos 1950. As consequências são o desemprego, a polarização das qualificações, o desaparecimento da qualificação média, e os empregos estão deslocalizáveis, não tem fronteiras, interferindo nas legislações locais em qualquer país do mundo”, aponta o pesquisador. Festi também questiona: “A sociedade precisa refletir sobre isso. A tecnologia como está colocada hoje não só destrói o trabalho humano como ela também destrói a natureza.”