A Conferência de Genebra

Reunião de cientistas na Suíça discutiu as aplicações pacíficas da energia atômica

Resumo

A Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica, convocada pelas Nações Unidas a partir de uma proposta do Presidente Eisenhower, ocorreu em Genebra, Suíça, de 8 a 20 de agosto, com a participação de 81 nações. Nenhuma nação importante deixou de comparecer. O principal sucesso da conferência foi sua realização, possibilitando discussões abertas sobre energia atômica, anteriormente envoltas em segredo.

A Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica, convocada pelas Nações Unidas, devido a uma proposta inicial do Presidente Eisenhower dos Estados Unidos da América, realizou-se de 8 a 20 de agosto na Cidade de Genebra, Suíça: dela participaram 81 nações, isto é, um número maior do que o dos membros das Nações Unidas, que possui apenas 60.

Nenhuma nação importante deixou de participar de tão importante Conferência.

O primeiro e provavelmente maior sucesso da Conferência resume-se no simples fato de ter sido realizada. Com efeito, as aplicações militares da energia atômica desenvolvidas por várias nações nos anos mais recentes não permitiria prever a possibilidade de uma reunião de cientistas de diversos países que pudessem discutir livremente assuntos sobre os quais sempre havia uma espessa cortina de segredo. Muito ao contrário do que se previa, a reunião foi das mais cordiais e a presença de grandes delegações dos Estados Unidos (aproximadamente 300 delegados) e da União Soviética (aproximadamente 206 delegados) contribuiu decisivamente para esta cordialidade.

 

“Houve mais de 1200 comunicações, das quais cerca de 300 selecionadas para apresentação oral. O Brasil contribuiu com 15 trabalhos à Conferência.”

 

A Conferência foi de caráter técnico, resumindo-se os poucos diplomatas presentes nas diversas delegações, a um papel de observadores. As sessões realizaram-se como em qualquer reunião científica internacional e apesar de serem os delegados representantes governamentais, o método de apresentação dos assuntos foi o mesmo de congressos científicos, isto é, na forma de comunicações individuais. Apenas na sessão final houve trabalhos de caráter mais político quando os delegados mais importantes dos Estados Unidos e União Soviética apresentaram seus planos de assistência a países subdesenvolvidos no campo da Energia Atômica.

Houve mais de 1200 comunicações, das quais cerca de 300 selecionadas para apresentação oral. O Brasil contribuiu com 15 trabalhos à Conferência. (Figura 1)


Figura 1. Palestra durante Conferência Internacional sobre usos pacíficos de Energia Atômica.
(Foto: Unesco/ Acervo. Reprodução)

 

Praticamente todos os temas relacionados com Energia Atômica foram incluídos no temário da Conferência, desde questões econômicas relacionadas com o aproveitamento da nova forma de energia até tecnologia de reatores nucleares e problemas de isótopos e da eliminação de resíduos radioativos. Algumas sessões de Física Nuclear propriamente dita foram incluídas na Conferência, o que constituiu um dos pontos altos da mesma.

Estas sessões tornaram claro aos olhos de todos a quantidade tremenda de esforços gastos, devido a razões políticas e a existência de segredos, na duplicação de investigações experimentais. Na expressão irônica do presidente da Conferência, prof. Bhabba, da Índia, esta duplicação e mesmo triplicação de medidas dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética teve o único mérito de provar que “os nêutrons se comportam da mesma maneira em todos os países do mundo”. De qualquer modo, os parâmetros básicos necessários para a construção de reatores atômicos foram medidos em todos esses países aproximadamente com a mesma precisão, de modos que o fato de existir durante anos uma cortina de segredo em torno deles só pode provar a inutilidade desse método de impedir o progresso científico geral.

Estiveram fora do temário da Conferência discussões referentes a métodos de utilização de reações de fusão controladas para a produção de energia, isto é, da utilização da energia da Bomba de Hidrogênio para fins pacíficos. Segundo o prof. Bhabba existem poucas dúvidas sobre a possibilidade de desenvolver métodos para essa finalidade. Tal implicação, ao que parece, pode ser derivada de uma discussão feita pelo prof. Lawrence, dos Estados Unidos da América, sobre aceleradores de baixa energia destinados a produzir altas correntes; mencionou-se na Conferência que se construíram tipos capazes de acelerar feixes de partículas com intensidade da ordem de 0,5 Ampére. É fácil ver que uma corrente de 0,5 Ampére de prótons acelerados a 4 milhões de volts pode dissipar uma energia de 2 milhões de watts num anteparo e, portanto, elevar sua temperatura de tal forma que reações de fusão sejam induzidas caso materiais convenientes como Irito ou Lítio constituam o alvo.

 

“Ficou demonstrada sem sombra de dúvida a possibilidade prática e imediata da utilização da energia atômica para a produção de energia elétrica.”

 

Devido à diversidade de temas discutidos na Conferência, foram realizados vários tipos de sessões simultaneamente. Nos primeiros três dias foram apresentados e discutidos os temas mais gerais, como necessidades energéticas dos diversos países e o papel que irá representar a energia atômica no futuro. Nas duas subsequentes, o temário dividiu-se em sessões de: a) Física dos reatores; b) Química e metalurgia; c) Isótopos e questões médicas. Durante a maioria das noites foram realizadas conferências por expoentes da Física nos diversos campos, sobre temas gerais e de interesse para outros que são especialistas. Em uma dessas conferências, o físico russo V. Veksler fez revelações de grande alcance sobre o programa de aceleradores de seu país ao apresentar um trabalho sobre as tendências existentes na construção de aceleradores de grande energia. Entre as revelações feitas incluem-se a de que desde 1952 funciona na União Soviética um Syncrociclotron de 680 milhões de volts, isto é, uma vez e meia maior do que os aceleradores similares existentes em países do Ocidente. Além disso, Veksler expôs os planos de instrumentos do tipo Cosmotron, em construção na União Soviética, para energia de 10 bilhões de volts: o maior similar existente nos Estados Unidos é o de Brookhaven para 6 bilhões de elétron volts. Uma vez que avanços científicos não ocorrem isoladamente, tais descobrimentos colocaram aos olhos de todos os soviéticos em pé de igualdade com os americanos no campo da Física Nuclear.

A melhor forma de apresentar os resultados da Conferência é talvez mencionar esquematicamente as conclusões que se poderia tirar das discussões:

 

1) Ficou demonstrada sem sombra de dúvida a possibilidade prática e imediata da utilização da energia atômica para a produção de energia elétrica.

2) Questões de preço dessa energia foram esclarecidas e parece ter sido aceito por todos que o investimento de capital necessário na utilização de energia atômica pode ser de 50% a 100% maior do que nos métodos convencionais de produção de energia elétrica. Ficou claro também que em países dependendo de importação de combustível, ou naqueles que não dispões de quedas d’água, a energia atômica pode competir com outras formas, imediatamente. Ficou explícito também que em uma década os preços de utilização da energia atômica cairão consideravelmente, e que sua utilização será extensa em muitos países: na Grã-Bretanha, por exemplo, 40% de toda a energia consumida em 1975 será proveniente de usinas atômicas.

3) O abastecimento de materiais uraníferos para suprir essas usinas atômicas não constituirão um problema antes de decorrido um século. As pesquisas geológicas têm revelado quantidades surpreendentes de minério de urânio e tório, apesar de aparecerem em baixas concentrações, em geral.

4) A importância do tório como combustível nuclear foi claramente estabelecida principalmente quando se trata de construir “reatores reprodutores” que transformam material inerte em material fissionável com rendimento superior a 1. O ciclo do tório 233 mostrou-se superior ao do plutônio 238.

5) O problema da eliminação dos resíduos radioativos produzidos por uma indústria atômica de grandes proporções será, ao que parece, um dos maiores que surgirão. Calcula-se que em duas décadas uma quantidade equivalente a 100.000 de material altamente radioativo terá que ser eliminado anualmente: as possibilidades de contaminação parecem muito sérias, e nenhuma das soluções aventadas, como lançamento de resíduos ao mar, parece viável; o lançamento desses resíduos ao espaço por meio de foguetes poderá ser estudado no futuro.

6) O problema das mutações genéticas induzidas pela radioatividade não ficou esclarecido; sugestões foram feitas, no sentido de diminuir a atual dose de tolerância para radiação, por um fator 10, como medida de precaução.

 

Conclusões não explícitas e não facilmente mensuráveis da Conferência existem também e são inúmeras. A primeira delas constitui o fato de a publicação de informação científica ser um processo irreversível e os dados apresentados na Conferência não poderão ser nunca mais apresentados como secretos; para valorizar este fato poder-se-ia dizer que suficiente informação foi publicada em Genebra para permitir qualquer país altamente industrializado a construir seus próprios reatores atômicos.

 

“As aplicações pacíficas da energia nuclear, após a Conferência, passaram para um terreno de grande importância comercial para todos os países e também altamente competitivo.”

 

Em segundo lugar, a nova cordialidade estabelecida entre cientistas de todos os países do mundo trará provavelmente consequências benéficas para todos.

Em terceiro lugar, as aplicações pacíficas da energia nuclear, após a Conferência, passaram para um terreno de grande importância comercial para todos os países e também altamente competitivo, com três grandes nações, Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética, como os principais exportadores de conhecimento e de tecnologia.

Finalmente, a importância do tório, do qual o Brasil e a Índia são os únicos grandes possuidores, abre também condições excepcionais ao nosso país de basear grande parte de sua industrialização em fontes de energia provenientes do átomo.


Texto publicado originalmente em:
GOLDEMBERG, José. A Conferência de Genebra. Cienc. Cult. 1955, vol.7, n.3.
Leia o texto original em:
https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=003069&pagfis=1
* Esse texto foi atualizado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Capa. Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica realizada em 1955 em Genebra, na Suíça
(Foto: Unesco/ Acervo. Reprodução)
José Goldemberg foi Assessor Científico da Delegação Brasileira à Conferência Internacional sobre as Aplicações Pacíficas da Energia Atômica. Foi reitor da Universidade de São Paulo (1986-1990) e presidente da Sociedade Brasileira de Física (1975-1979).

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