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Johanna Döbereiner e sua presença em eventos e publicações da SBPC

Cientista que revolucionou a agricultura brasileira teve participação intensa em atividades da entidade

 

A grande pesquisadora Johanna Döbereiner (1924, 2000) teve uma interação significativa com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ao longo de sua carreira. Foi comum a muitos jovens pesquisadores, entre as décadas de 1950 e 1970, darem início à apresentação pública de seus trabalhos científicos em reuniões anuais da SBPC. Neste período, a SBPC, uma entidade cientifica multidisciplinar, acolhia em suas reuniões anuais pesquisadores e estudantes de muitas áreas do conhecimento, mesmo porque existiam ainda poucas sociedades científicas de áreas específicas. Muitas delas, que surgiriam nas décadas seguintes, emergiram dos espaços de discussão dentro da SBPC e foram, ao longo do tempo, organizando seus encontros científicos específicos. Nas reuniões anuais da SBPC, que se iniciaram em 1948, a grande maioria dos trabalhos científicos era apresentada por meio de comunicações orais, cujos resumos estendidos eram publicados em suplementos da revista Ciência & Cultura da SBPC. Eles foram se transformando em grossos volumes, nas décadas seguintes, em função do grande crescimento no número das comunicações.

Johanna Döbereiner estreou na SBPC na VIII Reunião Anual, ocorrida em Ouro Preto em julho de 1956, quando tinha uns cinco anos de Brasil. Ali, tendo Américo Groszmann como coautor, apresentou a comunicação “Diferenças fisiológicas e morfológicas entre tribus de bactérias do gênero Beijerinckia isoladas em solo brasileiro”. No primeiro parágrafo delinearam claramente o objetivo das pesquisas que iniciavam e ressaltaram a importância da “pesquisa pura”: “Microrganismos têm sido ultimamente objeto de estudos básicos de genética e evolução. Fiéis à tese de que é possível realizar pesquisa pura em organismos de valor econômico, escolhemos as bactérias do gênero Beijerinckia, comuns em solos tropicais ácidos, capazes de fixar o azoto livre do ar, colocando-o em forma assimilável pelas plantas”.[1] Logo depois afirmam que “Döbereiner foi quem primeiro observou o gênero no Brasil”, em 1955. (Figura 1)


Figura 1. Anúncio da programação da VIII Reunião Anual da SBPC em Ouro Preto (MG), 1956.
(Reprodução)

 

No entanto, a primeira referência a Johanna Döbereiner na Ciência & Cultura já surgira um pouco antes, no número 1 do volume 8, de 1956,[2] quando se noticiou a apresentação de seu trabalho no primeiro encontro realizado pela Região Brasil da Sociedade Internacional de Biometria, em janeiro daquele ano no Instituto Biológico. O trabalho tinha também Américo Groszmann como coautor: “Problemas na análise estatística do crescimento de populações de bactérias”. Em 1959, na XI Reunião Anual da SBPC na Universidade da Bahia, em Salvador, em conjunto com Roberto Avahydo, ela apresentou a comunicação “Influência da umidade do solo na população de bactérias do gênero Beijerinckia Derx”. Este trabalho resultou na publicação de seu primeiro artigo na Ciência & Cultura, com o mesmo título, e no qual ela é apresentada como “Técnico da Secção de Fertilidade do Solo do Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola e bolsista do Conselho Nacional de Pesquisas”.[3] Seu primeiro trabalho em uma revista científica internacional ocorreria dois anos depois. (Figura 2)


Figura 2. Primeira página do artigo de Döbereiner e Avahydo Ciência & Cultura, 1959
(Reprodução)

 

Sete anos depois, a Ciência & Cultura noticiava a apresentação de trabalho de Johanna Döbereiner no I Simpósio Latino-americano de Microbiologia dos Solos, organizado pela Sociedade Botânica do Brasil e que ocorreu na ABC, em janeiro de 1966, com o título “Fixação Simbiótica de Nitrogênio Atmosférico”.[4] Ao longo de suas edições a Ciência & Cultura publicou diversas notícias sobre a carreira de Johanna Döbereiner, como suas premiações, a entrada na ABC e publicação na revista Interciência, em 1979.

Em 1976, na XXVIII Reunião Anual da SBPC, ocorrida em Brasília, Johanna Döbereiner foi escolhida como Presidente de Honra da reunião, o que atestava o seu grande prestígio na comunidade científica. Ela fez um discurso na abertura do evento, tendo sido apresentada por Warwick Kerr. (Figura 3)


Figura 3. Programação da XXVIII Reunião Anual da SBPC.
(Fonte: Centro de Memória Amélia Império Hamburger da SBPC. Reprodução)

 

Foi uma reunião tensa e intensa, com grande participação de pesquisadores e estudantes e com discussões políticas inflamadas em pleno governo Geisel e na capital do país. Como principal homenageada do evento, Johanna Döbereiner fez um discurso na sessão inaugural da XXVIII SBPC no Ginásio de Esportes que estava lotado. (Figura 4)


Figura 4. Johanna Döbereiner discursa na Abertura da XXVIII Reunião Anual da SBPC.
(Fonte: Centro de Memória AIH da SBPC. Reprodução)

 

Na XXXII Reunião Anual da SBPC, em julho de 1980, na UERJ, Johanna Döbereiner foi convidada para fazer uma conferência com o título “Progressos Recentes na Pesquisa sobre a Fixação de Nitrogênio”, tendo sido apresentada pelo físico-químico Ricardo Ferreira. Em 1982, ela publicou, com José Ivo Baldani, um longo artigo na Ciência & Cultura: “Bases Científicas para uma Agricultura Biológica”.[5] Escreveram no último parágrafo, à guisa de conclusão: “Concluímos, portanto, que há muitos subsídios científicos para se desenvolver sistemas agrícolas cada vez mais ‘biológicos’, sem prejuízo da produtividade. Eles são economicamente viáveis e deveriam ser muito melhor explorados. Por outro lado, a preocupação exagerada de eliminar de vez qualquer adubação e defensivos químicos sem fundamento científico não somente trará sérios prejuízos para a produtividade agrícola e a sua rentabilidade como ainda afastará o agricultor das reais vantagens dos sistemas agrícolas acima descritos.”

A partir de meados da década de 1970 ela e seu grupo de pesquisas passaram a apresentar muitos trabalhos, em geral, a cada dois anos, em encontros da ABC e eles estão referenciados nos Anais da ABC.[i] Quando a revista Ciência & Cultura sofreu uma grande transformação em 1990, e passou a ser publicada em inglês sob a coordenação editorial de Luiz Rodolpho Travassos, Johanna Döbereiner se tornou membro do seu Advisory Board, tendo ali permanecido até meados de 2000. Nesse período publicou na Ciência & Cultura, em 1992, o artigo “Recent changes in concepts of plant bacteria interactions: Endophytic N2 fixing bacteria”.[6] (Figura 5)


Figura 5 . Título e resumo do artigo de Johanna Döbereiner na Ciência & Cultura, em 1992
(Reprodução)

 

A revista de divulgação científica Ciência Hoje, criada pela SBPC em 1982 no Rio de Janeiro, fez um perfil de Johanna Döbereiner em seu número de novembro/dezembro de 1983.[7] Ela foi entrevistada por Carlos Chagas Filho e deixou um interessante depoimento sobre sua trajetória pessoal e científica até aquele momento.[ii]

Johanna Döbereiner publicou um texto de divulgação científica na Ciência Hoje, em 1987, com Norma Gouvea Rumjanek, com o título: “Bactérias e Leguminosas, uma associação eficiente”.[8] Em 1989, ela e Helvécio De-Polli escreveram um belo artigo de divulgação para a Ciência Hoje: “Uma bactéria para a agricultura”.[9] (Figura 6)


Figura 6. Perfil de Johanna Döbereiner no número 9 da Ciência Hoje, 1983.
(Reprodução)

 

Entre a década de 1950 e o ano 2000, a Ciência & Cultura trouxe cerca de uma centena de menções a Johanna Döbereiner, noticiando comunicações, artigos, premiações e outras atividades. No Informe Ciência Hoje e no Jornal da Ciência Hoje, depois Jornal da Ciência, existem 24 menções a Johanna Döbereiner em notas ali publicadas entre 1988 e 2017.

Com o título Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Nacional, A SBPC promoveu, em 22 de novembro de 1988, um painel na Câmara dos Deputados do qual Johanna Döbereiner participou; seu depoimento consta da publicação feita.[10] Ele inicia assim seu depoimento: “Os investimentos em ciência e tecnologia são altamente compensados por seu retorno a sociedade, seja de forma econômica, ecológica ou social. Darei três exemplos de retorno dos investimentos em projetos de pesquisa básica integrada entre universidades e instituições de pesquisa aplicada”. Os três exemplos que menciona são: o caso da soja, em particular no cerrado; o caso de cana-de-açúcar e o programa Proálcool; e o do retorno ecológico de investimentos em pesquisas com alguns tipos de árvores leguminosas que se associam com rizóbios, obtendo nitrogênio do ar e enriquecendo solos erodidos com matéria orgânica.[10] Em outras publicações da sociedade, ela também contribuiu, como no “Documenta, n. 4: Aspectos Estratégicos de um Projeto Nacional”, de 1995, no qual foi um dos cientistas consultados [LEITE LOPES, 1995]. Na XLVII Reunião Anual da SBPC, realizada em São Luiz do Maranhão, em julho de 1995, a Embrapa programou uma palestra de Johanna Döbereiner na III Expociência: “A importância da fixação biológica do nitrogênio na agricultura sustentável”.

O gráfico abaixo traz as menções ao nome “Döbereiner” nos periódicos Ciência & Cultura, Anais da ABC (AABC), O Globo e nos jornais e revistas da base da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.[iii] Tais menções traduzem parcialmente a presença de Johanna Döbereiner na mídia impressa brasileira em seu período de atuação profissional no Brasil. Vê-se o crescimento de menções nos AABC a partir da década de 1980 e o maior número de citações gerais a ela na década de 1990. (Figura 7)


Figura 7. Menções a Johanna Döbereiner em periódicos
(Fonte: Elaboração do autor)

 

Mais recentemente a SBPC teve um papel importante na divulgação da obra de Johanna Döbereiner ao propor ao MCTI e aos Correios e Telégrafos, em 2018, a produção de um selo comemorativo nacional com os nomes dela e de Cesar Lattes, o que foi realizado. Ela foi também motivo de homenagem no Calendário 2020/21 da SBPC. no mês de novembro de 2020.[iv] (Figura 8)


Figura 8. Selo comemorativo de Cesar Lattes e Johanna Döbereiner, 2018.
(Reprodução)

 

Em 2023, a SBPC e a ABC criaram comissões para organizar atividades comemorativas do centenário, em 2024, destes dois importantes cientistas. A SBPC, em sua Reunião Anual em Belém, organizou debates sobre as obras desses cientistas e de outros, também centenários: Aziz Ab’Sáber, Carolina Bori e Berta Ribeiro. Colocou, ainda, grandes painéis sobre cada um deles em lugares estratégicos do campus da UFPA onde a reunião ocorria. (Figura 9)


Figura 9. Painel de Johanna Döbereiner no campus da UFPA, SBPC 2024.
(Reprodução)

 

A SBPC, em parceria com a ABC e apoiada por outras instituições como a Embrapa, o CBPF, o MAST e o INCT-CPCT, montou uma bela exposição no Congresso Nacional, no mês de agosto de 2024, “Cientistas do Brasil: Cesar Lattes e Johanna Döbereiner”, que, neste momento, está em itinerância por outros estados do país. (Figura 10)


Figura 10. Exposição sobre Cesar Lattes e Johanna Döbereiner Congresso Nacional, agosto de 2024
(Reprodução)

 

A Ciência & Cultura produziu neste ano de 2024 um número especial sobre Johanna Döbereiner, com vários artigos sobre sua obra e que também reproduz o texto por ela escrito para a Ciência & Cultura em 1982. Para a SBPC é um dever homenagear uma cientista que tanto fez pela ciência e pelo país.


Nota
Este texto é uma versão estendida da seção 10 do artigo “A carreira impecável de uma cientista brilhante e seu impacto na ciência agrícola brasileira” [A.A. Franco, D. A. Campos e I. C.Moreira], a ser publicado em um livro de homenagem a Johanna Döbereiner pela Academia Brasileira de Ciências (ABC). Agradeço ao pessoal do Centro de Memória Amélia Império Hamburger da SBPC pelo levantamento de parte dos dados aqui utilizados. Foi feita também utilização de periódicos existentes na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
[i] A primeira referência a Johanna Döbereiner nos Anais da ABC (AABC) refere-se a uma comunicação dela, “Fixação de Nitrogênio em Gramíneas”, apresentada pelo acadêmico E. Malavolta e feito em 9 de setembro de 1975.[12]
[ii] Esta entrevista de Johanna Döbereiner foi posteriormente publicada no livro “Cientistas do Brasil: depoimentos”, produzido pela SBPC, em 1998.[13]
[iii] Na busca nos bancos de dados foi utilizado o sobrenome “Döbereiner”, que permite localizar todas as páginas destes periódicos que fazem referência a este nome. Há alguma falha nisto por causa da presença de outras pessoas com este mesmo sobrenome – como seu marido Jürgen e seu filho Christian – mas sempre em número muito menor (e que foram retirados quando identificados) do que as menções a Johanna Döbereiner, o que não invalida o quadro geral dessas citações.
[iv] Em 2006, no livro Pioneiras da Ciência no Brasil, publicado pela SBPC e patrocinado pelo MCT, Johanna teve sua biografia apresentada.[14]

Referências
[1] A. GROSZMANN E J. DÖBEREINER. Diferenças fisiológicas e morfológicas entre tribus de bactérias do gênero Beijerinckia isoladas em solo brasileiro. Ciência e Cultura 8(4): 242, 1956.
[2] A. GROSZMANN E J. DÖBEREINER. Problemas na análise estatística do crescimento de populações de bactérias. Ciência e Cultura 8(1): 74, 1956.
[3] J. DÖBEREINER E R. AVAHYDO. Influência da umidade do solo na população de bactérias do gênero Beijerinckia Derx. Ciência e Cultura 11(4): 208-218, 1959.
[4] CIÊNCIA E CULTURA 18(3): 308, 1966.
[5] J. DÖBEREINER E J. I. BALDANI. Bases Científicas para uma Agricultura Biológica. Ciência e Cultura 34(7): 869-881, 1982.
[6] J. DÖBEREINER. Recent changes in concepts of plant bacteria interactions: Endophytic N2 fixing bacteria. Ciência e Cultura 44(5): 310-313, 1992.
[7] J. DÖBEREINER. Perfil: Johanna Döbereiner – Entrevista a Carlos Chagas Filho, Ciência Hoje 2(9), 68-70, 1983.
[8] J. DÖBEREINER E N. G. RUMJANEK. “Bactérias e Leguminosas, uma associação eficiente”. Ciência Hoje 5(31): 17, 1987.
[9] H. DE-POLLI E J. DÖBEREINER. Uma bactéria para a agricultura. Ciência Hoje 7(55): 16, 1989.
[10] SBPC. Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Nacional. Painel na Câmara dos Deputados em 22 de novembro de 1988. São Paulo: SBPC, 1989.
[11] J. LEITE LOPES (coord.). Documenta n. 4: Aspectos Estratégicos de um Projeto Nacional, SBPC, 1995, p. 6.
[12] J. DÖBEREINER. Fixação de Nitrogênio em gramíneas. An. Acad. Bras. Ciênc. 47(3/4): 566-567, 1975.
[13] SBPC. Cientistas do Brasil – Depoimentos. São Paulo: SBPC, 1998.
[14] H. P. MELO E L. M. C. S. RODRIGUES. Pioneiras da ciência no Brasil. Rio de Janeiro: SBPC-RJ, 2006.
Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira

Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
Ildeu de Castro Moreira é professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2013. É presidente de honra da SBPC, membro do Conselho Editorial de Ciência & Cultura.
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