De campanhas antivacinação a manipulações políticas, entenda como as mentiras se espalharam e alteraram realidades históricas.
A desinformação não é um fenômeno recente. Desde os tempos antigos, mentiras, meias-verdades e informações distorcidas têm sido usadas para manipular a opinião pública, seja para promover uma agenda política, atacar um grupo específico ou até mesmo para gerar pânico. O impacto dessas “fake news” não se limita a efeitos passageiros, mas muitas vezes altera o curso de eventos históricos, gera tragédias e contribui para a marginalização de populações. Para explorar mais o assunto, trazemos algumas das fake news mais célebres da história e os danos que causaram.
A farsa da vacina e o início da campanha antivacinação (1998)
A história da antivacinação moderna teve um grande impulso em 1998, quando o gastroenterologista britânico Andrew Wakefield publicou um artigo na revista Lancet sugerindo que a vacina tríplice (contra sarampo, caxumba e rubéola) estava relacionada ao autismo. Essa alegação infundada foi rapidamente aceita por muitos, embora tivesse sido feita com dados manipulados e interesses escusos. Andrew Wakefield havia sido pago por um grupo que procurava processar a indústria farmacêutica. O artigo foi desmentido e retirado, e Andrew Wakefield perdeu sua licença médica. Contudo, o dano já estava feito: o movimento antivacinação ganhou força, colocando em risco a saúde pública ao gerar medo em pais e responsáveis e retardar a imunização de milhares de crianças. O que começou como uma mentira médica, com o apoio de um “especialista” respeitado, se transformou em uma epidemia de desinformação que persiste até hoje.
“A história está repleta de exemplos de como a desinformação pode ter efeitos dramáticos.”
As bruxas de Salém e a manipulação da fé (1692-1693)
Em 1692, na cidade de Salém, Massachusetts, uma onda de histeria religiosa levou à execução de 20 pessoas acusadas de bruxaria. A origem dessa tragédia foi a circulação do livro “Malleus Maleficarum”, publicado em 1487, que promovia a ideia de que mulheres eram naturalmente inclinadas à bruxaria. Em um período de grande repressão religiosa e medo do desconhecido, as acusações de bruxaria se espalharam rapidamente, levando a torturas, execuções e destruição de vidas. Embora não tenha sido uma fake news da forma como entendemos hoje, a ideia de que certas pessoas possuíam poderes sobrenaturais foi impulsionada por mentiras que exploravam as inseguranças de uma sociedade profundamente religiosa. O episódio revela como boatos, fundamentados em medos infundados, podem destruir a confiança social e gerar catástrofes coletivas.
A Guerra dos Mundos: O pânico da rádio (1938)
Em 30 de outubro de 1938, a rádio norte-americana CBS, sob a direção do ator Orson Welles, transmitiu uma adaptação radiofônica de “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells. O programa foi estruturado como um noticiário urgente, informando que a Terra estava sendo invadida por marcianos. Muitos ouvintes, que sintonizaram a transmissão já em andamento, não perceberam que se tratava de uma ficção, e o pânico se espalhou rapidamente. Aproximadamente um milhão de ouvintes acreditaram que a invasão era real, e a histeria tomou conta das cidades, com pessoas correndo para as ruas em busca de refúgio. Este episódio é um exemplo clássico de como a informação pode ser manipulada para criar um impacto emocional profundo e provocar uma resposta irracional da sociedade. Embora tenha sido um caso de ficção, o efeito real da falsa informação foi devastador.

Figura 1. Programa de rádio simulando uma invasão extraterrestre desencadeou pânico na costa leste dos Estados Unidos.
(Fonte: Reprodução)
O “Boimate”: A mentira científica de 1983
Em 1983, a revista Veja publicou uma história sobre um “boimate”, uma fusão de células de tomate e bovinas que, segundo a reportagem, criaria um tomate com uma polpa extremamente nutritiva. No entanto, essa história era baseada em uma brincadeira de 1º de abril publicada pela revista britânica New Scientist. Sem verificar a veracidade da informação, a revista brasileira veiculou a história como uma descoberta científica, o que levou a uma confusão generalizada e à repercussão de uma mentira absurda. Quando a farsa foi desmascarada, a Veja pediu desculpas, mas os danos à credibilidade da ciência, mesmo que de forma temporária, haviam sido causados.
“Se, no passado, essas mentiras circulavam por meio de jornais e rádio, hoje as fake news se propagam ainda mais rapidamente pelas redes sociais e outros canais digitais.”
Fake news a serviço do estado: Manipulação governamental (Séculos XIX-XXI)
Os Estados Unidos, ao longo de sua história, também se beneficiaram da desinformação em um contexto de manipulação política e militar. O exemplo mais marcante talvez seja o caso da explosão do encouraçado Maine em 1898, que o governo dos EUA usou como pretexto para declarar guerra à Espanha e anexar territórios como Cuba e Porto Rico. Embora uma investigação posterior tenha revelado que a explosão foi acidental, a mentira serviu a um propósito estratégico e geopolítico. Outros exemplos incluem a manipulação de informações que justificaram a Guerra do Vietnã e a invasão do Iraque em 2003, quando falsas alegações sobre armas de destruição em massa foram usadas como justificativas para ações militares, resultando em milhões de mortes e consequências devastadoras para os países envolvidos. Essas fake news, lançadas por governos poderosos, tiveram implicações globais e continuam a ecoar na memória coletiva de diferentes nações.

Figura 2. Encouraçado Maine
(Fonte: Reprodução)
Conclusão
A história está repleta de exemplos de como a desinformação pode ter efeitos dramáticos, moldando sociedades, políticas e até mesmo alterando o curso de guerras. Se, no passado, essas mentiras circulavam por meio de livros, jornais e rádio, hoje as fake news se propagam ainda mais rapidamente pelas redes sociais e outros canais digitais, alcançando milhões de pessoas em questão de minutos. O desafio, portanto, não está apenas em desmentir informações falsas, mas em entender como elas surgem, se espalham e como podemos promover uma cultura de verificação e responsabilidade na disseminação de notícias.