Dos planisférios medievais à cartografia digital, a história dos mapas revela a construção simbólica e estratégica do território brasileiro, seus usos políticos e sua importância científica.
Olhar um mapa é olhar o mundo com os olhos de quem o desenhou. Em cada traço, escolha, escala ou omissão, está um projeto de mundo, uma visão de poder, uma forma de organizar o desconhecido. A história da cartografia do Brasil é, assim, também a história da formação de um país e de suas fronteiras simbólicas, culturais e materiais.
Com a chegada dos portugueses ao litoral americano, a cartografia do Brasil ganha contornos práticos e simbólicos. As primeiras representações do território incluem registros de fauna, flora e populações indígenas. Cartógrafos como Waldseemüller, Ortelius e Gastaldi desenham um Novo Mundo cheio de exotismo, batizado de “Terra de Santa Cruz”, “Antropófagos” ou “Terra dos Papagaios”.
Os mapas não eram apenas instrumentos de navegação, mas também ferramentas de controle e propaganda. Ao retratar o escambo entre franceses e indígenas ou mostrar a presença jesuíta, esses documentos ajudavam a justificar intervenções militares e disputas diplomáticas. A cartografia foi essencial, por exemplo, para que a Coroa portuguesa respondesse às investidas de outras nações europeias durante a União Ibérica (1580–1640).
“Os mapas não eram apenas instrumentos de navegação, mas também ferramentas de controle e propaganda.”
No século XVII, destaca-se a produção manuscrita de cartógrafos portugueses como os Albernaz, com mapas que detalham fortificações, topônimos costeiros e incursões no interior. A cartografia holandesa também marca o período com obras como o detalhado mapa de Cornelis Golijath sobre o Recife e Olinda.
O século XVIII traz um novo protagonista: a cartografia francesa, com figuras como Guillaume de L’Isle e D’Anville. Seu rigor científico e observadores mais críticos corrigem erros nas representações luso-espanhola e influenciam tratados como o de Madri (1750), que redefiniu as fronteiras sul-americanas com base em mapas detalhados como o Mapa das Cortes.

Figura 1. Mapa das Cortes
(Reprodução)
Já no século XIX, a produção se intensifica com a criação de instituições militares e científicas, como o Arquivo Militar. Cartas hidrográficas, mapas provinciais e planos topográficos se tornam comuns, e o Brasil passa a se desenhar com mãos brasileiras. Uma das primeiras iniciativas didáticas é o Guia dos Caminhantes, atlas de 1817 feito em Salvador.
Escala nacional
No século XX, com o IBGE, a cartografia ganha escala nacional. A Carta Geográfica do Brasil, de 1922, marca a consolidação do território independente. Com o avanço da aerofotogrametria, do sensoriamento remoto e dos Sistemas de Informação Geográfica (SIG), os mapas se tornam instrumentos centrais de planejamento urbano, gestão ambiental e monitoramento de fronteiras.

Figura 2. Carta Geográfica do Brasil
(Reprodução)
A cartografia é também uma linguagem simbólica e cultural. Antes mesmo da escrita, humanos desenhavam caminhos nas cavernas. O mapa é uma forma de localizar-se, mas também de imaginar e ordenar o mundo.
Por isso, sua importância não é apenas prática. Mapas são expressões de poder, ferramentas de ensino, armas diplomáticas e documentos históricos. Revelam os medos e esperanças de um tempo, os interesses de um Estado, as tensões de uma sociedade.
“Os mapas se tornam instrumentos centrais de planejamento urbano, gestão ambiental e monitoramento de fronteiras.”
Hoje, em um mundo mediado por satélites e aplicativos de geolocalização, a história da cartografia nos lembra que nem sempre soubemos onde estávamos. E que cada linha traçada no papel foi fruto de disputa, exploração, descobertas e sonhos. Mais do que instrumentos de orientação, os mapas são testemunhas da nossa história. E, ao consultá-los, não estamos apenas nos localizando no espaço, mas também nos reposicionando no tempo.


