Peças teatrais que misturam arte, ciência e educação ganham espaço no Brasil, aproximando o público de conceitos da física, da biologia e dos dilemas éticos da pesquisa científica.
Num palco iluminado, o coração, o fígado e o cérebro discutem acaloradamente qual deles é o mais importante para o corpo humano. Em outra cena, Galileu Galilei desafia a autoridade para defender o conhecimento científico. Há ainda quem traga Darwin, Lavoisier e Einstein para dividir o cenário com personagens cômicos e até seres microscópicos. Assim é o teatro científico: uma fusão entre ciência e arte, onde conceitos da física, da biologia e da química ganham forma dramática e cativante.
Mais do que uma estratégia pedagógica, o teatro científico é uma ferramenta potente de divulgação científica e de alfabetização científica, principalmente entre públicos jovens e não especializados. Ao dramatizar experimentos, descobertas e dilemas éticos, ele traduz o conhecimento acadêmico para uma linguagem acessível, envolvente e emocional — e faz isso com humor, criatividade e reflexão crítica.
Quando a ciência sobe ao palco
No Brasil, a prática vem ganhando fôlego com experiências de destaque em universidades e centros de ciência. É o caso do grupo Seara da Ciência, da Universidade Federal do Ceará, que desde 2000 desenvolve peças teatrais com temáticas científicas como Bioquímica em Cena, Digestão: comida, calor e peso, Eu odeio insetos e até adaptações bem-humoradas de clássicos como Tem um cabelo na minha terra. Com textos originais e linguagem coloquial, os espetáculos abordam desde metabolismo celular até equilíbrio ecológico, sempre buscando provocar o riso e a curiosidade.
Outro exemplo vem do Rio de Janeiro, com o projeto Ciência em Cena, no Museu da Vida (Fiocruz), e o Palco da Ciência, da Casa da Ciência da UFRJ. Suas montagens variam entre peças biográficas, como Pergunte a Wallace e Einstein, e criações originais como O picadeiro em busca do tempo perdido. Além de apresentar conceitos científicos, os espetáculos dialogam com temas éticos, políticos e sociais relacionados à ciência.

Figura 1. Ciência em Cena, no Museu da Vida (Fiocruz)
(Foto: Museu da Vida/ Fiocruz. Reprodução)
Em São Paulo, o Núcleo Arte e Ciência no Palco conquistou prêmios com montagens como Copenhagem, Da Vinci pintando o sete e Quebrando Códigos, em que se discutem dilemas morais, guerras, ética e o papel do cientista na história. A interação entre ciência e arte também motiva o grupo Ouroboros, da UFSCar, que apresenta peças como Magia x Ciência, Estava escrito nas estrelas e O químico e o monstro, com enfoque didático e sensorial.

Figura 2. Palco da Ciência, da Casa da Ciência da UFRJ
(Foto: Casa da Ciência/ UFRJ. Reprodução)
Uma linguagem emocional para a ciência
Para os pesquisadores da área, o teatro científico não substitui o ensino formal, mas o complementa com força. “Ele ativa o lado emocional do aprendizado”, destaca a pesquisadora Betânia Montenegro, autora de várias peças do Seara da Ciência. “Os textos científicos raramente incluem a emoção da descoberta, mas o teatro pode mobilizar sentimentos e engajamento”, reforça.
Esse tipo de produção ajuda a explicar a chamada natureza da ciência: como o conhecimento científico é produzido, quem o produz, com quais interesses, em quais contextos sociais e com quais dilemas éticos. Ao assistir a uma peça sobre Einstein, o público não apenas aprende sobre a relatividade, mas entende a controvérsia, o impacto histórico e até a hesitação humana por trás da teoria.
“Mais do que ensinar, o teatro científico inspira — e traduz a ciência com afeto, humor e pensamento crítico.”
Além disso, o teatro contribui para a interdisciplinaridade. Física, biologia, química, filosofia, história e sociologia se entrelaçam em roteiros que tornam o conhecimento mais completo e humano. O formato ainda favorece públicos diversos, como estudantes de escolas públicas, professores em formação e visitantes de centros de ciência, ampliando o alcance da divulgação científica.
Teatro como estratégia de cidadania científica
A expansão do teatro com temática científica revela uma tendência: a busca por formas mais democráticas de compartilhar o conhecimento. Em tempos de negacionismo, desinformação e distanciamento entre a ciência e o público, encenar a ciência é uma maneira de reaproximar saberes e afetos.
Ao assistir a uma peça sobre Einstein, o público não apenas aprende sobre a relatividade, mas entende a controvérsia, o impacto histórico e até a hesitação humana por trás da teoria.”
“A ciência se preocupa com o que é verdadeiro, o teatro com o que é possível”, já disse o dramaturgo Bertolt Brecht. O teatro científico, então, atua no encontro dessas duas forças: apresenta a ciência como um campo vivo, cheio de perguntas, incertezas e humanidade. E, ao fazer isso, não só ensina, mas inspira.
Capa. Peça “Insubmissas – Mulheres na Ciência”, dirigida por Carlos Palma, estreou em 2015 com o Núcleo Arte Ciência no Palco
(Foto. Zuza Blanc. Divulgação)


