O avanço da crise climática afeta muito mais do que o meio ambiente. Está remodelando a alimentação, os costumes, o modo de viver e o equilíbrio emocional das pessoas — das grandes cidades às comunidades tradicionais.
Se antes a mudança no tempo indicava apenas se era dia de levar guarda-chuva ou usar roupa mais leve, hoje ela carrega outros significados — e pesares. Para muita gente, o calor extremo não é só um incômodo: é um gatilho de ansiedade. As chuvas intensas não são só transtornos, mas ameaças reais à moradia e à segurança. E os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, não apenas testam os sistemas de infraestrutura, mas também a saúde emocional de populações inteiras.
“As mudanças climáticas alteram não só o clima: moldam a forma como comemos, trabalhamos, vivemos — e sentimos.”
Em um cenário de incertezas climáticas crescentes, a vida cotidiana está sendo profundamente alterada — nos hábitos alimentares, nos deslocamentos, no trabalho, nas formas de lazer e, sobretudo, no bem-estar psicológico. Termos como ecoansiedade e ansiedade climática passaram a integrar o vocabulário de pesquisadores, profissionais de saúde e jovens ativistas, traduzindo um mal-estar difuso, mas cada vez mais presente: o medo persistente de um futuro ameaçado pela degradação ambiental.
A crise ambiental e sua dimensão emocional
As mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão distante para se tornarem uma realidade cotidiana. E essa realidade, como alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS), está entre os maiores desafios à saúde pública global — incluindo a saúde mental.
Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), os extremos do clima não apenas causam perdas econômicas e deslocamentos, mas desencadeiam sofrimento emocional, ansiedade, luto, depressão e até comportamento suicida. A OMS estima que quase um bilhão de pessoas vivam com transtornos mentais, e a crise climática tende a agravar esse quadro, sobretudo entre populações já vulneráveis.

Figura 1. Paulo Pinto/ Agência Brasil. Reprodução
Esse sofrimento ganhou nome: ecoansiedade. Conceito descrito em 2017 pela Associação Americana de Psicologia, refere-se à angústia gerada pela percepção das mudanças ambientais — não só climáticas, mas também territoriais, ecológicas e sociais. Mais recentemente, o termo ansiedade climática tem sido usado de forma mais específica para designar o medo relacionado ao futuro do planeta em função do aquecimento global.
Quando o tempo muda, a vida muda
O impacto da crise climática vai além da saúde mental. Ele se infiltra nas escolhas mais básicas do cotidiano: Na alimentação, as alterações nos ciclos de chuva e temperatura afetam colheitas e elevam os preços dos alimentos, forçando mudanças nos hábitos alimentares — nem sempre para opções mais saudáveis. No consumo de energia, os picos de calor aumentam a demanda por ar-condicionado, elevando os custos e sobrecarregando redes elétricas. Nas atividades ao ar livre, o lazer se torna limitado por temperaturas extremas, enchentes ou má qualidade do ar. Nos deslocamentos, enchentes, deslizamentos e colapsos de infraestrutura alteram rotinas, atrasam trabalhos e podem obrigar migrações permanentes.
“Sem justiça ambiental, não há saúde mental: é o que defendem especialistas e movimentos que pensam o cuidado além do consultório.”
Segundo a Fiocruz, as doenças mais sensíveis às mudanças ambientais são as infecciosas e as causadas por vetores — como dengue, malária e leishmaniose —, além de doenças respiratórias e transtornos psíquicos agravados por estresse climático.
Um futuro possível depende do coletivo
Diante da crise climática e de seus efeitos emocionais, o que pode ser feito?
A OMS propõe que governos integrem o apoio à saúde mental nas ações climáticas — algo que apenas 9 de 95 países pesquisados afirmaram ter feito. A instituição recomenda abordagens comunitárias, financiamento adequado e políticas que combinem resiliência ambiental com proteção psicossocial.

Figura 2. Paulo Pinto/ Agência Brasil. Reprodução
Entre os caminhos possíveis estão: o fortalecimento de redes de apoio; o investimento em saúde pública e informação; o estímulo a hábitos mais sustentáveis e solidários; a valorização dos saberes tradicionais e da cultura ecológica.
Capa. Freepik. Reprodução


