Confira entrevista com Maria do Rosário de Fátima Andrade, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco
Ensino, pesquisa e atuação em políticas públicas com foco em gênero, desenvolvimento local e ciência. Esse é o foco da professora do Departamento de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Maria do Rosário de Fátima Andrade. Doutora em Sociologia pela Universidad Complutense de Madrid, possui mestrado em Desenvolvimento Urbano e graduação em Arquitetura pela UFRPE, além de pós-doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e experiência internacional em Portugal. Desde 2002, coordena o Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e Sociedade – GPDESO (CNPq/UFRPE) e, desde 2014, lidera o Núcleo de Pesquisa-Ação Mulher e Ciência (NPAMC), conectando estudos acadêmicos a práticas de transformação social. “As mudanças culturais são lentas, por isso é fundamental acolher meninas e mulheres nos grupos de pesquisa e oferecer mentorias”, defende a pesquisadora. Entre 2021 e 2023, exerceu o cargo de Secretária Regional da SBPC, contribuindo para a articulação científica e educacional no Nordeste. Ao longo de sua carreira, publicou pesquisas nas áreas de Sociologia e Antropologia, abordando temas como gênero, mulheres na ciência, políticas públicas e pesca artesanal. “Nesta última década, presenciamos a eleição e indicação de mulheres para cargos de poder, inclusive em organizações científicas”, pontua. Reconhecida também na área cultural, recebeu o prêmio HQ-MIX de Melhor Livro Teórico em 1999, sobre caricaturas. Nesta entrevista, Maria do Rosário Leitão compartilha sua experiência em pesquisa, ensino e políticas de gênero, oferecendo uma visão crítica sobre ciência, sociedade e desenvolvimento local no Brasil.
Ciência & Cultura – Você coordena o Núcleo de Pesquisa-ação Mulher e Ciência desde 2014. Quais avanços mais significativos observou na participação feminina na ciência brasileira nesse período?
Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão – Atuamos há pouco mais de uma década, o que nos permitiu realizar os I, II, III e IV Seminários Mulheres em Carreiras Universitárias e nos Espaços de Poder; organizar o 18º Encontro da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre Mulher e Relações de Gênero (REDOR); participar, enquanto Secretária Regional da SBPC-PE, dos 16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero – campanha que busca conscientizar e mobilizar ações para acabar com todas as formas de violência contra mulheres e meninas – e, neste ano, coordenar a SBPC Mulher dentro da programação da 77ª Reunião Anual da SBPC. Nesta última década, presenciamos a eleição e indicação de mulheres para cargos de poder, inclusive em organizações científicas. Em 2022, por exemplo, Helena Nader assumiu a presidência da Academia Brasileira de Ciências (ABC), tornando-se a primeira mulher a ocupar esse lugar de poder desde a sua fundação, há 105 anos. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas hoje há mais visibilidade para as mulheres e até mesmo prêmios dedicados a elas, como o Prêmio Carolina Bori, criado pela SBPC em 2019, que homenageia a diversidade e os estágios na carreira das cientistas brasileiras ao alternar, anualmente, as categorias Mulheres Cientistas e Jovens Cientistas.
“A pesquisa-ação rompe com hierarquias entre pesquisadora e pesquisada, fomentando a colaboração horizontal e um processo conjunto de transformação social.”
C&C – Como a pesquisa-ação pode contribuir para identificar e superar os desafios enfrentados pelas mulheres na ciência?
MRFAL – A pesquisa-ação contribui tanto para a identificação dos desafios quanto para a construção de estratégias de superação das desigualdades de gênero na ciência, ao envolver as mulheres de forma ativa no processo. Esse tipo de interação promove autonomia e fortalece as lutas por direitos e igualdade, ao romper com as hierarquias entre pesquisadora e pesquisada, fomentando a colaboração horizontal e motivando um processo conjunto de transformação social.
C&C – O grupo que coordena, Desenvolvimento e Sociedade, atua desde 2002. De que forma essa pesquisa dialoga com questões sociais e de gênero?
MRFAL – O GPDESO é anterior ao NPAMC e, desde 2004, desenvolve pesquisas com mulheres pescadoras de diversas regiões do Brasil e também de Portugal.
QUADRO I – Projetos de Pesquisa, Ensino e Extensão 2005-2014
Nº PROJETOS CNPq Nº DOC.
- 1 Edital MCT/CNPq/PR-SMP 45/2005 – “Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos”, com o
projeto “Conflitos de Gênero no Cotidiano da Comunidade Costeira Aver-o-Mar”.
- 2 MCT/CNPq 029/2009 – Seleção Pública de Propostas de Pesquisa, Desenvolvimento Científico
e Extensão Tecnológica para Inclusão Social. Tema 1: “Catadores de Materiais Recicláveis”.
- 3 Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010 – Seleção Pública de Propostas de Estudos e Avaliação das Ações do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tema 4: “Inclusão Produtiva”.
- 4 Edital MCT/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 020/2010 – Seleção pública de propostas para pesquisas em temas de “Relações de Gênero, Mulheres e Feminismos
- 5 Chamada MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA Nº 32/2012 – A categoria 1 .
- 6 Atualmente faço parte de 2 projetos CNPq do edital 31/2023, um pela Fiocruz e outro pela UFRPE.
PROJETOS SPM/PR
- 7 Apoio a Iniciativas de Prevenção à Violência contra as Mulheres. Projeto: “Gênero, Raça e Pesca: o trabalho de marisqueiras no litoral sul de Pernambuco”. Convênio Nº 0172/2008– SPM/PR. Convênio entre a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional.
- 8 EDITAL nº 01/2013 – Autonomia Econômica e Políticas para o Trabalho das Mulheres.
Programa 2016 – Políticas para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência. Ação orçamentária 210A – Promoção de Políticas de Igualdade e de Direitos das
Mulheres. Temática 2 – Fortalecimento da Participação de Mulheres no Espaço de Poder e Decisão. Projeto Núcleo de Pesquisa – Ação Mulher e Ciência.
PROJETOS PROEXT
- 9 PROEXT2010 – Linha temática 3: “Pesca artesanal e aquicultura familiar”. Universidade Federal Rural de Pernambuco9 PROEXT2011 Linha temática 13: “Mulheres e relação de gênero”. Classificado e contemplado com recursos: “Ações para Consolidar a Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas para o Fortalecimento da Rede – Articulação de Mulheres Pescadoras de Pernambuco”.
- 10 PROEXT2011 Linha temática 13: “Mulheres e relação de gênero”. Classificado e contemplado com recursos: “Ações para Consolidar a Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas para o Fortalecimento da Rede – Articulação de Mulheres Pescadoras de Pernambuco
- 11 PROJETO MPA- Ações para consolidar a Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas para a Pesca e aquicultura do MPA – Convênio 078/2009 entre MPA e FADURPE.
- 12 PROJETO MDA – Contrato: 0309.541-78/2009/MDA/CAIXA, “Transferência de recursos
- PROJETO DE PESQUISA ICS/PT 2019: “Gênero e Pesca: uma abordagem comparada de contextos portugueses e brasileiros”. Estágio de investigadora visitante, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa/Portugal.
- Flor das Águas – 2023 Financiado pelo Fundo Casa Ambiental.
“Independentemente do gênero, todas as pessoas têm capacidade para ocupar e decidir em espaços de poder.”
C&C – Em sua experiência, qual é o papel das instituições acadêmicas, como a SBPC, na promoção da equidade de gênero na ciência?
MRFAL – Como instituição que defende a democracia, a SBPC tem assumido esse debate, lançando em 2016 o portal Ciência & Mulher, que reconhece a contribuição das mulheres das diversas áreas do conhecimento. Soma-se a isso o Prêmio Carolina Bori, criado em 2019, cuja proposta é homenagear a diversidade dos estágios na carreira das cientistas brasileiras, alternando as categorias Mulheres Cientistas e Jovens Cientistas.
C&C – Quais estratégias a senhora considera mais eficazes para incentivar jovens mulheres a ingressar e permanecer nas carreiras científicas?
MRFAL – Meninas e meninos são socializados de forma diferente, o que naturaliza ideias e valores que influenciam as escolhas profissionais. Há uma valorização das atividades de cuidado e reprodução social direcionada às meninas, ancorada em um conceito prático de maternidade, enquanto permanece a expectativa de que os homens – como provedores – devam se dedicar mais intensamente ao trabalho remunerado. Diante disso, algumas estratégias de superação consistem em reconhecer que, independentemente do gênero, todas as pessoas têm capacidade para estudar, trabalhar e ocupar espaços de poder e decisão, atributos essenciais das carreiras científicas. Como as mudanças culturais são lentas, é fundamental acolher as meninas e mulheres em grupos de pesquisa; promover mentorias; estimulá-las a apresentar dados em congressos e publicações; e garantir que possam exercer a maternidade com apoio institucional. Um bom exemplo é o movimento Parent in Science, que reúne dados sobre o impacto dos filhos na carreira científica e evidencia a necessidade de políticas públicas específicas. Outros programas também têm sido importantes, como o Programa Mulher e Ciência (CNPq, 2005), Futuras Cientistas (Cetene-PE, 2012), Ciência & Mulher (SBPC, 2016), o Prêmio Carolina Bori (SBPC, 2019) e iniciativas como a rede Andorinhas da UFOP.
“Só com políticas públicas e ações articuladas será possível superar os ‘tetos de vidro’ e os ‘labirintos de cristal’ que ainda persistem na ciência.”
C&C – O que precisa mudar no ambiente acadêmico e científico brasileiro para que as mulheres tenham mais visibilidade e reconhecimento?
MRFAL – É preciso transformar as concepções já mencionadas, que reproduzem desigualdades de gênero por meio de processos de socialização que influenciam escolhas profissionais e dificultam a permanência das mulheres em carreiras historicamente marcadas como masculinas. Enquanto isso não muda, são necessárias políticas públicas e ações articuladas para criar equidade de gênero na ciência. Assim, poderemos vislumbrar o dia em que “os tetos de vidro”, “os labirintos de cristal” e “os efeitos tesoura” fiquem apenas como lembranças de um passado já superado.


