Como avanços tecnológicos podem contribuir ou agravar problemas nos centros urbanos
O avanço da tecnologia urbana no Brasil caminha para transformar alguns municípios do país em cidades inteligentes, mesmo que essa evolução implique em um maior consumo de energia elétrica ou que provoque desigualdades sociais através da exclusão digital. A expectativa é que as principais tecnologias atualmente aplicadas à gestão ambiental urbana – como sensores conectados que monitoram a qualidade do ar, mobilidade elétrica, iluminação inteligente, etc. – aumentem a eficiência dos serviços públicos, tragam uma melhora da qualidade ambiental, com menos poluição, otimizem os recursos, promovam a sustentabilidade e melhorem a qualidade de vida dos cidadãos. (Figura 1)

Figura 1. O desenvolvimento da tecnologia nas cidades do Brasil está indo na direção de fazer alguns municípios se tornarem cidades inteligentes.
(Foto: Prefeitura de São Paulo. Divulgação)
Mas ainda são muitos os desafios a serem vencidos para que essa expectativa se torne uma realidade no Brasil, onde a maior parte das prefeituras usa vários sistemas de tecnologia digital que não conversam entre si. Elas não têm uma plataforma única que facilitaria a vida da população para acessar os serviços públicos. “As cidades que usam plataformas digitais e outras ferramentas tecnológicas para conectar os seus serviços precisam ter uma infraestrutura que dê suporte a essa inteligência. Para melhorar a gestão de recursos e gerar bem-estar, essas cidades necessitam ter gestão de resíduos, uso de energia renovável, áreas verdes bem distribuídas, baixa emissão de carbono, uso integrado dos sistemas de transporte público (ônibus, metrô, trem), pontos de energia para carregamento de celular e de carros elétricos”, explica Sheila Walbe Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).
A pesquisadora explica que para que isso ocorra são necessários investimentos e tempo. Ela lembra que hoje se fala muito em cidades inteligentes, que são as que conseguem alinhar o desenvolvimento tecnológico com o progresso social e ambiental. Copenhague, por exemplo, tirou os carros do centro da cidade há mais de 50 anos. Em Londres, a rede wi-fi não cai e funciona bem porque o governo investiu em uma tecnologia eficiente que tem a confiança da população. Essas cidades monitoram online o meio ambiente e, quando detectam o aumento da poluição, emitem alertas incentivando a população a deixar o carro movido a combustível fóssil em casa e a usar o transporte público. Também estudam as mudanças climáticas e emitem alertas para tempestades e outros eventos que podem representar perigo.
A tecnologia digital também facilita a realização de projetos participativos, o que é vital para as cidades inteligentes que promovem a participação da população no processo de tomada de decisões em projetos que impactam a vida urbana. Ao oferecerem serviços como recarregar celular em pontos públicos, aumentam a inclusão de diversos grupos de minorias que não estão integradas à sociedade.
Sheila Ornstein destaca que no Brasil há muitas cidades oferecendo vários tipos de serviços conectados, caminhando para se transformarem em cidades inteligentes, mas ainda necessitando de maior conectividade e eficiência. Curitiba é um exemplo de cidade desse tipo, considerada inteligente sobretudo por conta do transporte público e por conta de aspectos de sustentabilidade, já que é cercada por parques que ajudam na redução de carbono. São Paulo tem alguns setores com conectividade e uma rede de wi-fi que não está disponível para todos.
“As cidades que usam plataformas digitais e outras ferramentas tecnológicas para conectar os seus serviços precisam ter uma infraestrutura que dê suporte a essa inteligência.”
Vale lembrar que enquanto o Brasil já ultrapassou a marca de 80% da população com algum tipo de acesso à internet, o país ainda convive com uma grande desigualdade regional no que se refere à qualidade e acesso da conexão. Dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil apontam que as regiões do Norte e do Nordeste têm os piores indicadores de infraestrutura e conectividade muitas vezes dependendo de redes móveis instáveis – enquanto as região Sudeste tem a maior parte dos investimentos em fibra óptica e banda larga de alta velocidade.
Os gargalos da infraestrutura urbana no Brasil
Nesse cenário, a preocupação com a energia renovável é grande, pois o uso de tecnologia digital implica em um consumo enorme de energia elétrica a um custo elevado. E quando se fala em oferecer redes para a população, essa oferta também implica em aumentar o custo da energia elétrica. Para reduzir esse custo, é preciso usar energia limpa: solar, eólica e os painéis fotovoltaicos.
Para Sheila Ornstein, o uso da tecnologia digital na gestão pública é um caminho sem volta. Porém, se as prefeituras não investirem em energia limpa, essa conta não fecha. Por outro lado, é um excelente investimento, pois a população reconhece quando usufrui de elevada conectividade e quando tem acesso às redes de wi-fi de forma segura. (Figura 2)

Figura 2. Investir em energia renovável é um ótimo investimento, já que a população percebe isso ao desfrutar de alta conectividade e ao acessar redes wi-fi de maneira segura.
(Foto: Ulgo Oliveira/Fotos Públicas. Divulgação)
Na opinião de Talita Martin, professora do MBA em Environmental, Social and Governance (ESG) e Impact da Trevisan Escola de Negócios e CEO da Equos Consultoria ESG, um dos principais benefícios da digitalização e coleta de dados dos serviços públicos é o de contribuir para o planejamento urbano sustentável. Isso é possível ao identificar padrões e tendências para o planejamento de infraestruturas; a otimização do uso do solo; a melhora da resiliência urbana contra eventos extremos; e uma participação cidadã mais informada no processo. “Cidades inteligentes podem equilibrar o crescimento econômico atraindo investimentos, fomentando a inovação, otimizando custos e aumentando a produtividade. No entanto, elas podem reproduzir desigualdades através da exclusão digital, questões de privacidade e vigilância, e deslocamento de populações e concentração de benefícios”, acrescenta.
Desafios energéticos e impacto ambiental
Para Talita Martin, o impacto ambiental inclui o alto consumo energético de infraestruturas de dados (data centers); a produção e o descarte de hardware (extração de recursos e geração de resíduo eletrônico); e as emissões de gases de efeito estufa da cadeia de suprimentos da indústria digital. Mas esses desafios podem ser superados com Parcerias Público-Privadas (PPPs), financiamento por resultados ou modelos de assinatura, capacitação de mão de obra local, padronização e interoperabilidade, aproveitamento de infraestrutura existente, foco em projetos piloto e expansão gradual, e uso de incentivos fiscais e subsídios.
Por enquanto, num país com as dimensões do Brasil e a grande diversidade existente entre os municípios, os dados disponíveis sobre a digitalização dos serviços públicos mostram que há muito por fazer. A sétima edição da pesquisa TIC Governo Eletrônico, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e lançada em 2023, revelou que 91% das prefeituras brasileiras oferecem pelo menos um serviço online aos cidadãos; 92% desses municípios tinham site e 95% redes sociais. A pesquisa acompanha a evolução da incorporação de tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos órgãos públicos brasileiros desde 2013, realizada a cada dois anos.
Participação cidadã e exclusão digital
Segundo Manuella Maia Ribeiro, analista de informações do Cetic.br e coordenadora de Projetos de Pesquisa TIC, a pesquisa evidenciou que, embora tenha ocorrido um progresso significativo na oferta de serviços online desde 2013, ainda existem desafios relacionados à integração e acesso a esses serviços. Isso porque somente as prefeituras de cidades de maior porte – com mais de meio milhão de habitantes – oferecem de sete a oito serviços digitais em seus sites enquanto apenas 56% das prefeituras de menor porte, com até 10 mil habitantes, oferece cinco ou mais tipos de serviços online.
Pela primeira vez, o levantamento apontou que mais da metade das prefeituras disponibilizou conexão wi-fi gratuita em áreas públicas dos municípios, como praças e parques, passando de 48% em 2021 para 54% em 2023. Esse tipo de iniciativa foi mais frequente nas capitais (79%) e em cidades de 100 mil até 500 mil habitantes (66%) e mais de 500 mil moradores (80%).
Já a disponibilidade de centros públicos de acesso gratuito, como telecentros – que no passado foram importantes espaços de acesso à rede – vem apresentando queda. Em 2015, esse espaço era disponibilizado por 72% das prefeituras. Em 2023, foi mencionado por menos de metade das prefeituras no país (45%).
“Cidades inteligentes podem equilibrar o crescimento econômico atraindo investimentos, fomentando a inovação, otimizando custos e aumentando a produtividade.”
O uso de tecnologia para gestão urbana como o monitoramento dos centros de operações de trânsito e de segurança é uma realidade em 1814 prefeituras brasileiras, sendo que 100% delas usam no trânsito e 82% na segurança pública.
Na opinião de Manuella Ribeiro, a principal dificuldade na implantação dos serviços digitais nas prefeituras está ligada à falta de recursos e à criação de um departamento de Tecnologia da Informação. Apenas 45% das prefeituras pesquisadas contam com um departamento de TI.
Apesar dos avanços registrados, os dados do levantamento revelam que a transformação digital no setor público ainda ocorre de forma desigual no país. Enquanto grandes centros urbanos consolidam estratégias mais robustas de digitalização e conectividade, muitos municípios de pequeno porte enfrentam obstáculos estruturais para ampliar o acesso e a qualidade dos serviços digitais. O cenário aponta para a importância de políticas públicas que promovam investimentos contínuos em infraestrutura tecnológica, capacitação de equipes e inclusão digital — elementos essenciais para garantir que a inovação alcance de forma equitativa todos os cidadãos, independentemente do tamanho da cidade em que vivem.
Capa. Curitiba é considerada uma das cidades mais inteligentes do mundo ao aliar compromisso com a sustentabilidade e inovação.
(Foto: Daniel Castellano/SMCS. Reprodução)


