Por trás da tela que acende todas as manhãs, há séculos de descobertas em física, química, eletrônica e matemática
Você acorda, pega o celular para desligar o despertador, checa mensagens, lê notícias, acompanha o clima. Em menos de dez minutos, já acionou dezenas de tecnologias desenvolvidas ao longo de mais de um século de pesquisa científica. O smartphone é tão natural na rotina que esquecemos: ele concentra física, química, eletrônica, matemática, informática e até geopolítica em um objeto que cabe na palma da mão.
No quarto episódio do programa Ciência Enredo, o físico Peter Schulz, professor da Unicamp, lembra que, em sua essência, o celular é “apenas” um rádio. “A comissão de frente do enredo do celular é o rádio. Sim, o celular é um rádio, bem complexo, mas é um rádio, porque a comunicação entre eles é feita por ondas de rádio”, explica. Essa simplicidade aparente esconde um dos maiores feitos tecnológicos da humanidade: transformar descobertas básicas em um sistema global de comunicação móvel.
“Cada smartphone contém cerca de 70 elementos químicos diferentes, incluindo quase todos os metais de terras raras.”
A história começa nos anos 1940, quando a atriz Hedy Lamarr e o compositor George Antheil criaram uma técnica para alternar frequências de rádio e garantir transmissões seguras durante a Segunda Guerra. A inovação abriu caminho para as redes sem fio. Poucos anos depois, em 1945, os laboratórios Bell testavam transmissões de voz por rádio em automóveis. A ideia se expandiu com torres de repetição, cobrindo pequenas áreas chamadas “células” — origem do nome que carrega até hoje.
Ciência e tecnologia no bolso
Mas a ciência não parou aí. O celular de bolso só se tornou possível porque vários campos do conhecimento avançaram em paralelo.

(Foto: Freepik. Reprodução)
A física está em tudo: das ondas eletromagnéticas que transmitem dados aos sensores que transformam o aparelho em um laboratório portátil. Acelerômetros, giroscópios e GPS detectam movimento, orientação e posição, enquanto microfones usam princípios da lei de Faraday para converter vibrações em sinais elétricos. A matemática de Fourier, desenvolvida em 1822, permite compactar sons, imagens e vídeos, reduzindo drasticamente o tráfego de dados.
A química é a base da portabilidade. As baterias de íon-lítio, fruto de décadas de pesquisa, armazenam energia suficiente para manter o aparelho ativo por horas. E cada celular é, em si, uma verdadeira tabela periódica em miniatura: de 83 elementos estáveis, 70 estão presentes nos smartphones, incluindo metais chamados de terras raras. Eles são responsáveis pelas cores vivas da tela, pelo som dos alto-falantes e até pela vibração discreta das notificações. O Brasil, vale lembrar, possui a segunda maior reserva mundial desses minerais estratégicos.
A eletrônica é o cérebro do dispositivo. Bilhões de transistores cabem hoje em chips menores que uma unha, processando cálculos em nanossegundos. A informática fecha o ciclo: sistemas operacionais como Android e iOS coordenam hardware e aplicativos, transformando operações complexas em interfaces simples e intuitivas.
“O smartphone é um espelho da história da ciência — e também das disputas econômicas e geopolíticas do nosso tempo.”
E há também a ciência das telas, um espetáculo à parte. Os primeiros LEDs surgiram em 1927, mas só em 1990 três físicos japoneses conseguiram produzir a versão azul, viabilizando os LEDs brancos e revolucionando as telas. Décadas depois, o OLED — feito de compostos orgânicos emissores de luz — possibilitou displays flexíveis, com mais contraste e eficiência energética. Hoje, esses avanços definem a forma como vemos e interagimos com o mundo.
O celular, no fim das contas, é muito mais do que um objeto de consumo. Ele é um espelho da história da ciência, mas também das disputas econômicas e geopolíticas. Quando olhamos para a tela acesa, vemos apenas um retângulo de vidro e metal. Mas em cada chamada, mensagem ou foto estão séculos de conhecimento humano, condensados em um dos artefatos mais fascinantes da modernidade.
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