Da Amazônia às periferias urbanas, comunidades reinventam a educação ambiental, resgatam saberes tradicionais e desafiam a lógica hierárquica com soluções criativas e colaborativas.
Embora o desenvolvimento sustentável tenha se consolidado como um dos grandes objetivos do século XXI, a consolidação da agenda ambiental no Brasil ocorreu em meio a tensões e disputas. Questões ligadas à preservação da Amazônia e de outros biomas, ao avanço da agricultura, pecuária e mineração, bem como ao represamento de rios para geração de energia, marcaram esse processo. A dificuldade do Estado em garantir a aplicação da lei em áreas remotas intensificou os conflitos e fez da política ambiental um tema de divisão, tanto na sociedade quanto entre diferentes governos.
Do protagonismo internacional às soluções locais
O movimento ambiental ganhou força global a partir das décadas de 1970 e 1980, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, influenciando a inclusão da pauta ecológica nas discussões internacionais. No Brasil, ainda em fase inicial, esse movimento já deixou marcas na Constituição de 1988, que reconheceu a proteção ambiental como dever do Estado e atribuiu ao Ministério Público a defesa de direitos coletivos. A diversidade biológica do país e a mobilização da sociedade civil atraíram ONGs internacionais e impulsionaram o surgimento de organizações nacionais.
“As políticas públicas precisam ter três características: devem ser contínuas, não de governo, mas de Estado; precisam nascer das demandas locais, e não de gabinetes distantes; e devem ser multissetoriais, atuando em áreas como saúde, educação, transporte, segurança e lazer.”
O protagonismo brasileiro foi consolidado após a Rio-92, que deu origem a novas leis, órgãos e políticas, como o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente e a Lei de Crimes Ambientais. Pesquisas reforçaram a importância da Amazônia para o clima e a agricultura, estimulando parte do setor produtivo a dialogar com ambientalistas. Entre avanços institucionais e pressões internacionais, o Brasil aderiu ao Acordo de Paris em 2015, assumindo compromissos de redução de emissões. Paralelamente, iniciativas locais — hortas comunitárias, mutirões e projetos de arte urbana — vêm mostrando que a transformação ambiental também se constrói no cotidiano, unindo saberes técnicos e populares em soluções criativas.
A lógica que vem de baixo
Historicamente, a educação ambiental no Brasil foi estruturada de cima para baixo: programas governamentais ou acadêmicos elaborados em centros de decisão e aplicados nas comunidades em formato de cartilha. Embora bem-intencionados, muitos desses projetos não dialogaram com a realidade local.
Os coletivos, por outro lado, nascem da vivência direta. Na Amazônia, por exemplo, comunidades ribeirinhas transmitem aos jovens técnicas ancestrais de manejo sustentável da floresta, conciliando tradição e modernidade. Nas periferias urbanas, grupos de moradores recorrem ao grafite, à música e ao teatro para debater temas como poluição, descarte irregular de resíduos e acesso à água potável. Em vilas rurais, práticas de cultivo tradicionais são resgatadas, com a preservação de sementes crioulas, variedades adaptadas ao solo e ao clima, resistentes a pragas e vistas como alternativas diante das mudanças climáticas. (Figura 1)

Figura 1. Comunidade ribeirinha na Amazônia transmite às novas gerações práticas ancestrais de manejo sustentável da floresta.
(Foto: Julia de Freitas/ Agência Brasil. Reprodução)
“Esses grupos mostram que o conhecimento não é algo que chega pronto de fora, mas nasce da realidade de quem vive os problemas ambientais no dia a dia”, explica Sandro Tonso, professor da Faculdade de Tecnologia da Unicamp. Para ele, a potência desses coletivos está justamente em romper com a lógica hierárquica e propor soluções que fazem sentido no território.
O desafio das políticas públicas
Se por um lado os coletivos mostram criatividade e eficácia, por outro enfrentam um obstáculo recorrente: a ausência de políticas públicas contínuas que garantam apoio, recursos e ampliação de suas ações. “As políticas públicas precisam ter três características: devem ser contínuas, não de governo, mas de Estado; precisam nascer das demandas locais, e não de gabinetes distantes; e devem ser multissetoriais, atuando em áreas como saúde, educação, transporte, segurança e lazer”, defende Sandro Tonso.
Na prática, isso significa reconhecer que enchentes, lixo acumulado ou degradação ambiental não são problemas isolados. Eles atravessam diferentes dimensões da vida comunitária e exigem respostas integradas. Quando falta apoio institucional, muitos coletivos se mantêm por meio de redes de solidariedade e financiamento colaborativo, limitando sua capacidade de expansão.
O papel da mídia no processo de fortalecimento dos coletivos
O papel da mídia no fortalecimento dos coletivos ambientais é estratégico e multifacetado, funcionando como uma ponte entre iniciativas locais e a sociedade em geral. Muitos desses grupos surgem em comunidades ribeirinhas, rurais, periféricas e urbanas, mas permanecem invisíveis fora de seu território imediato. Nesse cenário, a mídia pode atuar de forma decisiva ao dar visibilidade, legitimar as ações e ampliar o alcance das pautas ambientais de base comunitária.
Ao noticiar mutirões, hortas comunitárias, campanhas de limpeza ou oficinas educativas, a imprensa contribui para que essas iniciativas deixem a invisibilidade e ganhem reconhecimento social. Esse processo fortalece a autoestima das comunidades e legitima suas práticas como parte de um debate ambiental mais amplo. Além disso, a cobertura jornalística exerce pressão sobre o poder público, uma vez que a repercussão de problemas ambientais denunciados pelos coletivos amplia as chances de resposta institucional, seja por meio de políticas públicas ou de parcerias com universidades, ONGs e empresas.
“O financiamento para organizações coletivas, organizadas por jovens da Amazônia periférica enfrenta muitas dificuldades, principalmente e comparada com as organizações do Sudeste.”
Outro aspecto importante é a capacidade de disseminar boas práticas. Quando experiências locais são amplificadas, podem inspirar outras comunidades a adotar estratégias semelhantes, cumprindo também um papel pedagógico. Ao aproximar o público de diferentes realidades, a mídia mostra que as questões ambientais não são distantes, mas fazem parte do cotidiano e impactam diretamente a vida das pessoas.
Essa mediação também contribui para a construção de narrativas contra hegemônicas. Enquanto discursos dominantes frequentemente priorizam grandes empreendimentos ou a exploração de recursos naturais, os coletivos trazem perspectivas de resistência, cuidado e preservação. Ao dar espaço a essas vozes, a mídia ajuda a diversificar e enriquecer o debate público.
Além disso, a cobertura jornalística pode fortalecer redes de colaboração ao conectar coletivos de diferentes regiões, atraindo voluntários, parceiros e financiadores que dificilmente teriam contato com essas iniciativas de outra forma. Assim, mais do que informar, a mídia pode se tornar uma aliada essencial para dar escala e reconhecimento às ações locais, consolidando seu papel no processo de transformação socioambiental.
Saberes tradicionais em movimento
Um dos aspectos mais ricos dessas experiências é o resgate e a valorização de saberes tradicionais. O uso de ervas medicinais, o conhecimento sobre ciclos da natureza, a prática de contar histórias para transmitir ensinamentos — tudo isso faz parte da educação ambiental comunitária. Esses saberes, que por muito tempo foram invisibilizados ou considerados “menores” diante do conhecimento científico, voltam a ganhar espaço. Eles não competem com a ciência, mas dialogam com ela, oferecendo soluções adaptadas a cada realidade.
Um exemplo desse modelo de coletivo é o Mirí, fundado em 2016 por adolescentes e jovens do interior do Pará, na agrovila Itaqui, zona rural de Castanhal. Por meio da arte, cultura, tecnologia e do diálogo direto com os moradores, o coletivo promove projetos de coleta seletiva na comunidade, bem como educação ambiental com o propósito de conscientizar a população sobre a importância de barrar o desmatamento, e de cobrar do poder público medidas efetivas para enfrentamento dos problemas que acometem a região. (Figura 2)

Figura 2. Jovens do coletivo Mirí, no Pará, utilizam arte e tecnologia para promover educação ambiental e mobilização comunitária.
(Foto: Coletivo Mirí. Reprodução)
Segundo Pedro Lameira dos Santos, um dos responsáveis pelo coletivo, todas as ações do coletivo são pautadas em quatro eixos. “As ações do Mirí são pautadas em quatro eixos: socioambiental, mobilidade comunitária, produção e pesquisa de conhecimento e incidência política. Nós também temos nos organizado para que esse processo se expanda para outros territórios; utilizando as mesmas ferramentas que utilizamos em Castanhal: ferramentas criativas, inovadoras e tecnológicas”, descreve.
“O diálogo tem que ser com todos os grupos, e com todas as áreas do conhecimento.”
Porém Pedro dos Santos destaca que apesar do sucesso do coletivo, muitas são as dificuldades que os jovens do coletivo enfrentam. A questão financeira é a mais significativa na opinião dele. “A gente fala muito sobre a visibilidade, mas a oportunidade de financiamento é a principal dificuldade que temos. O financiamento para organizações coletivas, organizadas por jovens da Amazônia periférica (onde estamos inseridos) enfrenta muitas dificuldades, principalmente e comparada com as organizações do Sudeste por exemplo”, destaca.
A universidade e a ciência a favor dos coletivos
Diante desse cenário dos coletivos ambientais, Sandro Tonso destaca o papel dos pesquisadores como potenciais facilitadores das ações promovidas por esses coletivos. “O primeiro ponto é sair da bolha, ir a campo conhecer as realidades e entender quais movimentos fazem sentido para mim. O segundo é se engajar com projetos que já existem, e é nesse contato que chegamos ao terceiro ponto, é no contato com a comunidade que a gente percebe que precisamos aprender para poder ensinar. Ou seja, é usar a linguagem das pessoas daquele lugar para poder se fazer entender. Por fim, o diálogo tem que ser com todos os grupos e com todas as áreas do conhecimento”.
Capa. Coletivos ambientais das periferias trabalham para educar e preservar o meio ambiente
(Foto: Freepik. Reprodução)


