Feynman capa site

O físico que dançou samba: A passagem de Richard Feynman pelo Brasil

Entre aulas em português e noites de tamborim, o Nobel de Física deixou um legado de crítica ao ensino ‘decorado’ – e inspirou gerações de cientistas brasileiros

 

Em 1949, um jovem físico norte-americano desembarcou no Rio de Janeiro com um violão, uma mente brilhante e uma curiosidade insaciável. Richard Feynman, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel de Física (1965), veio ao Brasil a convite do físico brasileiro Jayme Tiomno para lecionar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). Mas sua passagem pelo país foi muito além da academia: Feynman mergulhou no carnaval, tocou tamborim, aprendeu português (com sotaque peculiar) e deixou um legado que ainda hoje inspira debates sobre o ensino da ciência.

Neste ano em que se completam 30 anos de sua morte e 100 anos de seu nascimento, revisitamos a história do cientista que criticou o ensino “decorado” da física no Brasil – mas também se encantou com a paixão dos estudantes e ajudou a transformar a pesquisa teórica no país.

 

Feynman no CBPF

Quando chegou ao Brasil, Feynman já era reconhecido por seus trabalhos em eletrodinâmica quântica, mas ainda não era uma celebridade mundial. No CBPF, ele deu cursos avançados sobre física nuclear e mecânica quântica, usando seu famoso método das “integrais de caminho” – uma abordagem revolucionária que simplificava problemas complexos.

 

“Richard Feynman, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel de Física (1965), veio ao Brasil a convite do físico brasileiro Jayme Tiomno para lecionar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).”

 

O que chamou a atenção, porém, foi o fato de ele ministrar as aulas em português. Os alunos riam do que chamavam de “português de Feynman” – uma mistura de espanhol mal aprendido com expressões inventadas. Mas, mesmo com o idioma truncado, sua didática brilhante cativou a turma.

Fora das salas de aula, Feynman se entregou à cultura brasileira: Tocou cuíca e agogô no carnaval carioca, frequentando rodas de samba como um verdadeiro malandro. Fez amizade com César Lattes, o descobridor do méson pi, que o aconselhou a dar aulas de manhã para “não atrapalhar as noitadas”. Encantou-se com a beleza carioca – contava que quase escolheu aprender português ao invés de espanhol depois de ver “uma loira de parar o trânsito” entrando em um curso de línguas.


(Foto: Reprodução)

 

“Por que não estamos ensinando ciência no Brasil?”

Apesar do carinho pelo país, Feynman ficou chocado com o sistema de ensino brasileiro. Em uma palestra histórica, ele disparou: “Os estudantes decoram fórmulas, mas não entendem o que significam. Perguntei o que era a Lei de Bernoulli, e me responderam com perfeição. Mas quando mostrei um avião e perguntei por que ele voa, ninguém soube explicar.”

Sua crítica não era contra os alunos, mas contra um método que valorizava a memorização em vez do raciocínio. O impacto foi tão grande que Jayme Tiomno e José Leite Lopes – dois dos maiores físicos do Brasil na época – traduziram um livro americano sobre ensino de física e publicaram um manifesto na revista Ciência & Cultura, propondo reformas pedagógicas.

 

O legado: Um curso que virou livro

Em 1953, Feynman voltou ao CBPF para um curso de mecânica quântica. Desta vez, dois alunos argentinos – Daniele Amati e Alberto Sirlin – tomaram notas detalhadas em espanhol. Esses manuscritos, redescobertos décadas depois, foram digitalizados e publicados em 2005 como “Física Nuclear Teórica” (Editora Livraria da Física).

 

“Os estudantes decoram fórmulas, mas não entendem o que significam.”

 

Recentemente, o CBPF lançou um portal online com as anotações originais, resgatando um pedaço da história da física no Brasil. O projeto quase foi abandonado devido a cortes orçamentários e à pandemia, mas foi concluído como uma homenagem póstuma a Ronald Shellard, ex-diretor do CBPF que faleceu em 2021.

Richard Feynman não foi só um Nobel de Física – foi um aventureiro intelectual que trouxe luz (e polêmica) ao ensino da ciência no Brasil. Sua história aqui mistura rigor acadêmico e alegria tropical, mostrando que a genialidade não precisa ser séria.

 

Capa: Richard Feynman (quinto na fileira da direita) em almoço no Rio de Janeiro
(Foto: CBPF. Reprodução)
Blog Ciencia e Cultura

Blog Ciencia e Cultura

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
Share on email
Email
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email
Palavras-chaves
CATEGORIAS

Relacionados