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Belém no centro do mundo: o que a COP30 revelou sobre a disputa global pelo futuro do clima

Em meio a avanços sociais e impasses estruturais, conferência expôs tensões políticas, fragilidades financeiras e a urgência ignorada da transição energética.

 

As mudanças climáticas deixaram de ser um alerta distante para se tornarem uma realidade cotidiana, marcada por extremos que já reconfiguram sociedades inteiras. Secas prolongadas, enchentes devastadoras, ondas de calor recordes, disseminação de doenças, crises de abastecimento e perdas aceleradas de biodiversidade mostram que a crise ambiental não é somente ambiental — é humanitária, econômica e política. E, diante desse cenário, o que mais preocupa cientistas e organizações internacionais é a velocidade insuficiente da resposta global. Por isso, ao fim da COP30 em Belém, a sensação predominante foi de urgência: a ciência avança, os impactos se intensificam, mas as decisões políticas ainda caminham devagar demais para a dimensão da emergência.

A conferência, encerrada no dia 22 de novembro, apresentou um conjunto amplo de acordos, propostas e divergências que revelam, ao mesmo tempo, conquistas e limitações do processo multilateral. Para a comunidade científica, houve avanços importantes — sobretudo pelo simbolismo de realizar a COP pela primeira vez na Amazônia, colocando a região no centro das negociações. Mas a ausência de compromissos estruturais, como um acordo para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, gerou frustração e reforçou a percepção de que há um descompasso entre o ritmo da política e o da crise climática. “O problema é que países produtores de petróleo bloquearam qualquer discussão sobre o necessário fim da exploração e do uso dos combustíveis fósseis”, afirmou Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física e coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP, além de membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Ainda assim, ele reconhece avanços: “Entre os pontos altos, podemos citar claramente a discussão sobre adaptação ao novo clima e o avanço significativo no debate sobre financiamento climático”.

A presidência brasileira aprovou 29 documentos por unanimidade entre os 195 países, consolidando o chamado “Pacote de Belém. Mesmo assim, temas centrais — transição energética, combate ao desmatamento e financiamento climático — não avançaram com a velocidade necessária. Redes científicas e organizações socioambientais destacaram que o texto final não incorpora a proposta brasileira de um roteiro gradual para substituição dos combustíveis fósseis, cedendo à pressão de países petroleiros.

 

Um consenso amplo, mas ainda insuficiente

Os 29 documentos aprovados reforçam medidas de adaptação, transparência, financiamento e cooperação. Um dos principais resultados foi a apresentação de 59 indicadores globais de adaptação, cobrindo água, alimentos, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência. Já o anúncio de US$ 120 bilhões até 2035 para adaptação foi visto como um passo importante, embora considerado pouco ambicioso diante do tamanho do desafio.

 

“O interesse de algumas pouquíssimas companhias se sobrepôs ao de 8 bilhões de pessoas que já sofrem os impactos das mudanças climáticas.”

 

Outro avanço simbólico foi a inclusão inédita do termo “afrodescendentes” em quatro documentos, além do fortalecimento das pautas de gênero, com maior protagonismo das mulheres. Houve ainda consenso sobre sistemas de monitoramento da vulnerabilidade climática e sobre a necessidade de métricas mais robustas para medir resiliência.

A maior controvérsia ficou por conta da exclusão do Mapa do Caminho para eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A proposta tinha apoio de 80 países, mas não houve unanimidade. O governo brasileiro afirmou que continuará impulsionando o debate. O primeiro bloco do Pacote reúne o “Mutirão Global”, um texto que articula financiamento, transparência e responsabilidades na implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contributions – NDCs). No total, 122 países apresentaram metas atualizadas.

 

Um impasse decisivo

O Mapa do Caminho brasileiro — voltado à transição justa dos combustíveis fósseis — acabou bloqueado por grandes produtores de petróleo. “Infelizmente, o lobby da indústria do petróleo prevaleceu. O interesse de algumas pouquíssimas companhias se sobrepôs ao de 8 bilhões de pessoas que já sofrem os impactos das mudanças climáticas”, afirmou Paulo Artaxo.

Em meio às disputas, o “Pavilhão da Ciência Planetária” se tornou um dos marcos da COP30. Instalado na Zona Azul, o espaço reuniu cientistas para apresentar evidências e dialogar diretamente com negociadores. Dali saiu uma carta contundente: “Forças contrárias bloquearam o acordo. Parece que ignoram que, ao contrário dos pavilhões da COP, não podemos evacuar o planeta Terra quando desastres acontecem”. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) endossou o documento. (Figura 1)


Figura 1. O Pavilhão da Ciência Planetária foi uma iniciativa inédita na COP30 criado para colocar a ciência no centro das decisões climáticas.
(Foto: AmazoniaVox. Reprodução)

 

Apesar dos impasses, houve também avanços políticos, como a criação do Mecanismo de Ação de Belém (BAM), que amplia a participação de povos indígenas, mulheres, comunidades locais e grupos vulnerabilizados nas decisões sobre transição justa. O texto final reforça direitos humanos, direitos dos trabalhadores e acesso à energia limpa — especialmente para cozinhar, uma das principais fontes de emissões domésticas em países pobres.

 

Promessas grandes, compromissos pequenos

O financiamento climático voltou a ser uma das áreas de maior tensão. Mesmo com avanços, persistem promessas vagas dos países desenvolvidos, metas imprecisas e ausência de responsabilização clara dos maiores emissores históricos. A discrepância entre necessidade e oferta continua profunda. Como explica Francisco Assis da Costa, pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA): “Chegamos a números que deixavam todos atordoados: a necessidade é de 3 trilhões de dólares anuais. Por outro lado, a disposição máxima que se conseguiu chegar foi de 300 bilhões. Então fica uma lacuna gigantesca. Isso aponta para uma insuficiência das ações”.

A geopolítica agravou o cenário. Segundo Paulo Artaxo, conflitos e crises regionais travaram compromissos mais ambiciosos: “Este ano tivemos duas grandes guerras e várias crises políticas. Os países estavam muito mais reticentes em se comprometer a reduzir emissões, fornecer recursos ou apoiar países em desenvolvimento. A geopolítica tornou esta COP muito mais difícil que as anteriores”.

 

“A participação da sociedade civil foi extraordinária. Grupos indígenas, quilombolas, ONGs. Todos perceberam o vigor da sociedade civil brasileira.”

 

Entre os avanços concretos, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) foi um dos destaques. Com apoio inicial de 63 países e US$ 6,7 bilhões mobilizados, o mecanismo promete financiar a preservação de florestas tropicais e promover desenvolvimento sustentável. Para Francisco Assis da Costa, o fundo representa um “sucesso estratégico”: “Foram arrecadados cerca de 6 bilhões de dólares já durante a COP30. É um mecanismo extremamente importante para preservar florestas que estão em pé”.

 

Justiça climática ainda distante

Os países historicamente responsáveis pela maior parte das emissões — e que mais lucram com combustíveis fósseis — bloquearam medidas estruturais e resistem a financiar países vulneráveis. Essa postura aprofunda desigualdades já antigas e limita a capacidade global de adaptação, num momento em que os impactos climáticos se intensificam rapidamente.

As mudanças climáticas e a desigualdade social caminham juntas: quem menos contribui para o aquecimento global é justamente quem mais sofre seus efeitos. Populações pobres, com menor acesso a infraestrutura e proteção social, enfrentam secas, enchentes e calor extremo de forma desproporcional, enquanto os países ricos — maiores emissores históricos — seguem se beneficiando economicamente dos fósseis. Esse desequilíbrio cria um ciclo persistente de injustiça climática que atinge sobretudo mulheres, crianças e minorias. Por isso, lutar por justiça climática é um imperativo ético, social e político: trata-se de garantir que os custos e benefícios da transição sejam distribuídos de forma mais equitativa. Mesmo com o tema presente nas discussões da COP30 em Belém, as negociações ficaram distantes de medidas concretas e transformadoras.

Como sintetizou Paulo Artaxo: “Países desenvolvidos não estão dispostos a ajudar os países em desenvolvimento. Isso agrava desigualdades econômicas já vergonhosas e traz mais instabilidade social e política”.

 

Mobilização histórica fora dos salões da ONU

Enquanto as negociações formais enfrentavam bloqueios, Belém viveu uma COP vibrante fora da Zona Azul. A Cúpula dos Povos, realizada na UFPA, reuniu 25 mil pessoas e mais de mil organizações, com forte presença indígena — cerca de 3 mil representantes. A Marcha Global pelo Clima levou 70 mil pessoas às ruas. “Foi uma COP diferente das últimas 10”, avaliou Paulo Artaxo. “A participação da sociedade civil foi extraordinária. Grupos indígenas, quilombolas, ONGs. Todos perceberam o vigor da sociedade civil brasileira.” (Figura 2)


Figura 2. Cúpula dos Povos reuniu cerca de 1,3 mil movimentos sociais em Belém e criticou omissão de países na tomada de decisão na COP 30
(Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil. Reprodução)

 

Francisco Assis da Costa destacou a abertura mais ampla da green zone, que intensificou o diálogo entre sociedade civil, ativistas e diplomatas. “Foi uma coisa muito mais viva e empolgante. Os atores mais organizados da sociedade política estiveram presentes e a participação foi real”.

Para a presidente da SBPC, Francilene Garcia, a ciência segue sendo um eixo de orientação moral e política: “Em Belém, os cientistas lembraram ao mundo que não existe rota de fuga para um planeta em colapso. O que emergiu foi um realinhamento moral: países dispostos a liderar, sociedades mobilizadas, juventudes vigilantes e uma Ciência que oferece um caminho de coragem e coerência”.

 

“A ciência continua avaliando os resultados das negociações e entrega no próximo ano seu legado. Isso é muito novo e muito importante para todos.”

 

A ciência tem papel decisivo para orientar políticas eficazes, desenvolvendo tecnologias limpas, subsidiando decisões públicas com dados robustos e apontando caminhos como o combate ao desmatamento, a restauração florestal e práticas agroecológicas. A participação ativa de pesquisadores — aliada à mobilização social — é essencial para o conhecimento ser traduzido em políticas concretas. O Pavilhão da Ciência Planetária foi um avanço nesse sentido, mesmo que suas recomendações, como o cumprimento da meta de 1,5°C, não tenham sido incorporadas ao texto final.

Ainda assim, Francisco Assis da Costa lembra que a avaliação contínua da ciência cria um mecanismo inédito de responsabilidade: “A ciência continua avaliando os resultados das negociações e entrega no próximo ano seu legado. Isso é muito novo e muito importante para todos”.

 

Capa. COP30 trouxe avanços institucionais importantes, mas acabou marcada pela falta de metas robustas para combustíveis fósseis e desmatamento.
(Foto: Antônio Scorza/COP 30. Reprodução)

 

Ciência & Cultura © 2022 by SBPC is licensed under CC BY-SA 4.0  
Chris Bueno

Chris Bueno

Chris Bueno é jornalista, escritora, divulgadora de ciências, editora-executiva da revista Ciência & Cultura, e mãe apaixonada por escrever (especialmente sobre ciência).
Chris Bueno é jornalista, escritora, divulgadora de ciências, editora-executiva da revista Ciência & Cultura, e mãe apaixonada por escrever (especialmente sobre ciência).
Priscylla Almeida é jornalista e produtora de conteúdo para áreas de saúde e ciência, marketing e publicidade. Apaixonada por filmes, gatinhos e pela rotina dinâmica que a comunicação traz: o contato com gente, a curiosidade de assuntos diversos, a troca.
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